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A Adoção dos Estados Unidos à Iniciativa de Recrutamento Justo

Beatriz Zanin de Moraes / Felipe Sodré Fabri / Letícia Escorcio Lopes | 14/06/2024 23:28 | Análises
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Frente a um cenário de maior acesso aos debates sobre direitos humanos-  principalmente aqueles que partem de organizações e grupos de defesa - e com o aumento dos fluxos migratórios nos últimos anos, há uma preocupação cada vez maior em relação às situações de injustiça social e desigualdades de direitos entre os trabalhadores nos Estados Unidos, sejam eles migrantes ou não. Consequentemente, esses temas ganharam força pela sua importância e necessidade, colocando em foco os direitos dos indivíduos e trabalhadores que migram buscando melhores condições de vida para si e seus familiares. Nesse contexto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desenvolveu a Iniciativa de Recrutamento Justo (Fair Recruitment Initiative/FRI) como resposta aos desafios encontrados durante os processos de recrutamento e como forma de garantir que as normas trabalhistas estejam sendo cumpridas de forma minuciosa.


Nos Estados Unidos, a FRI já tem se apresentado como realidade. Porém, ainda são grandes os impasses a serem superados para que a implementação dessa iniciativa ocorra de forma satisfatória, de modo a suprir o cumprimento dos direitos do trabalhador norte-americano.

 

Fundamentos da Iniciativa de Recrutamento Justo

 A Iniciativa de Recrutamento Justo(FRI) visa garantir que as práticas de recrutamento, tanto nacionais quanto internacionais, sejam baseadas em normas trabalhistas desenvolvidas por meio do diálogo social e que promovam a igualdade de gênero. Elas devem ser transparentes, efetivamente reguladas, monitoradas e aplicadas; proteger os direitos de todos os trabalhadores, incluindo os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (PRFT), prevenindo o tráfico de pessoas e o trabalho forçado; e informar e responder eficientemente às políticas de emprego e necessidades do mercado de trabalho, incluindo para a recuperação e resiliência.


A estratégia de operação da FRI se baseia em quatro pilares. O primeiro é o de “Melhorar, trocar e disseminar conhecimento global sobre processos de recrutamento” ao produzir e disseminar dados de qualidade e pesquisas em áreas-chave como economia do cuidado, agricultura, construção, transporte e serviço; desenvolvendo, a partir desses dados, ferramentas inovadoras. Também objetiva destacar os padrões de recrutamento justo da OIT nas agendas globais e regionais, promovendo inovações piloto, além de capacitar e desenvolver competências em cooperação com o ITC-OIT, adaptando materiais às necessidades emergentes e de aumentar o acesso do público a informações sobre práticas de recrutamento abusivas e seu impacto. O segundo pilar se baseia em “Melhorar leis, políticas e aplicação para promover o recrutamento justo” e isso é feito, a princípio, adotando e implementando leis e políticas nacionais em consulta com parceiros sociais, para apoiar a criação de emprego e proteger trabalhadores. Ademais, visa-se aumentar o número de países com sistemas de aplicação de recrutamento para monitorar violações e fornecer soluções eficazes, seja por meio de acordos bilaterais de trabalho alinhados aos padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou do diálogo social entre organizações de trabalhadores e empregadores na área de recrutamento. Por fim, esse pilar busca incentivar a ratificação de normas internacionais do trabalho relevantes para o recrutamento justo. O penúltimo pilar consiste em “Promover práticas comerciais justas” a partir do aumento da conscientização e do acesso a conhecimento, orientações e ferramentas para negócios e empregadores nas redes da OIT; tudo isso a fim de mudar práticas de recrutamento de maneira responsiva ao gênero e implementar orientações da OIT. Nesse sentido, melhorar-se-á o acesso a ferramentas específicas para conduzir a diligência em práticas de recrutamento justo, bem como o compromisso de agências de recrutamento privadas e serviços públicos de emprego sobre práticas de recrutamento éticas. O quarto e último pilar se resume em “Capacitar e proteger os trabalhadores” com conscientização e acesso de sindicatos a conhecimento, orientações e ferramentas para aumentar a representação de trabalhadores migrantes, além da expansão das atividades dos sindicatos para promover o recrutamento justo, em cooperação com organizações da sociedade civil. Objetiva, também, fornecer aos trabalhadores informações independentes e compreensíveis sobre seus direitos e obrigações no recrutamento, incluindo acesso à justiça e intervenções, de modo que os trabalhadores possam acessar efetivamente compensações.


Todas as diretrizes da Iniciativa de Recrutamento Justo estão baseadas em diversos padrões internacionais estabelecidos pela OIT, incluindo convenções e recomendações que orientam práticas justas de recrutamento. Alguns desses principais padrões são: a Convenção sobre os Trabalhadores Migrantes (C97);  a Recomendação sobre os Trabalhadores Migrantes (R86), complemento da C97; a Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (C143); a Recomendação sobre o Trabalho Decente para os Trabalhadores Domésticos (R201); e a Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado (P29) e a Recomendação (R203). Tendo como base todas as diretrizes já mencionadas, bem como os padrões, a Organização Internacional do Trabalho se articula com governos, empregadores, sindicatos e outras partes interessadas para promover capacitação e treinamento acerca do assunto e posterior monitoramento e relatórios.

 

Cenário dos Estados Unidos

Em 2024, o mercado de trabalho dos Estados Unidos apresentou um recorde: 8,5 milhões de novas vagas de trabalho abertas. Contudo, o país contou com 6,5 milhões de pessoas desempregadas. Paralelamente, milhões de estadunidenses estão se demitindo de suas ocupações; muitos não planejam retornar ao mercado de trabalho, a imigração está em processo de desaceleração e os jovens estão mais ocupados em aprimorar habilidades do que se inserir no mercado. Esse é o atual cenário do mercado de trabalho dos Estados Unidos segundo a Câmara do Comércio, e ele denota um momento de inflexão para a economia nacional.


Com a pandemia de COVID-19 e o momento conhecido como “Grande Renúncia”, os trabalhadores americanos se encontram num momento delicado em suas relações laborais. Ao mesmo tempo, em que os custos de vida como alimentos e aluguel aumentam consideravelmente, salários e direitos trabalhistas são reduzidos constantemente nas legislaturasdo país, como vem ocorrendo na Flórida e em cortes do Texas. Isso ocorre em um contexto de embate entre os republicanos e a Casa Branca, com o presidente Biden desejando colocar em pauta mais propostas que sejam benéficas para os trabalhadores, como os projetos que ficam paralisados no congresso. Ou seja, o país vem enfrentando um momento de inflexão de suas relações trabalhistas, sendo que a adoção da OIT poderia trazer benefícios e observação dos direitos trabalhistas para a classe trabalhadora.


A adesão dos Estados Unidos à FRI

Em suas observações iniciais na 3ª Reunião Ministerial sobre a Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, anunciou que os Estados Unidos estão se juntando à Iniciativa de Recrutamento Justo (FRI) da OIT e seu Comitê Consultivo. Esta decisão ressalta o compromisso dos Estados Unidos em avançar na agenda de Recrutamento Justo e contribuir para o esforço global de garantir práticas de recrutamento justas e proteger os trabalhadores migrantes da exploração e abuso. Antony Blinken também incentivou outros países a aderirem à Iniciativa de Recrutamento Justo.


Ao ingressar no Comitê Consultivo, os Estados Unidos farão parte do corpo tripartite composto por representantes de governos, parceiros sociais e agências de desenvolvimento, podendo desempenhar um papel crucial na orientação da implementação da Iniciativa de Recrutamento Justo. Vindos de contextos regionais diversos, os membros do Comitê devem usar suas experiências e perspectivas para identificar prioridades, enfrentar desafios comuns e propor estratégias eficazes.

 

Implementação e Desafios

 A implementação da Iniciativa de Recrutamento Justo nos Estados Unidos, como é de se esperar pela complexidade do cenário em que se insere, tem enfrentado desafios que englobam desde os âmbitos legal e operacional até os âmbitos social e econômico. No sentido dos impasses enfrentados na primeira das áreas mencionadas, a dificuldade se instala, primeiramente, na variação legal que existe de Estado para Estado e de cidade para cidade, o que exige a adaptação das práticas de contratação por parte dos empregadores. Havendo, assim, uma amplitude de leis a serem seguidas, não são de todo incomuns os casos de contradição, cujas leis de diferentes níveis entram em conflito. Ao analisar o procedimento  operacional, entende-se que os processos de contratação, em sua forma literal, enfrentam desafios ao ter de adaptar suas atividades seletoras (entrevistas e formulários) às políticas do Recrutamento Justo.


Os desafios que compreendem a sociedade, por sua vez, variam entre os aspectos cultural, econômico e de comunicação. Primeiramente, entende-se que os desafios culturais são, entre outros, o de estigma social em relação a antecedentes criminais no momento da contratação e durante as interações no trabalho, e o de mudança interna da mentalidade dos ambientes de trabalho, de modo a combater preconceitos e facilitar a integração e o respeito entre todos. Os entraves econômicos, por sua vez, podem ser resumidos a custos adicionais despendidos para o treinamento e a implementação das políticas de Recrutamento Justo, e, num sentido mais abrangente, para o cálculo de riscos. O risco percebido é aquele calculado como forma de previsão e garantia para caso a contratação de indivíduos que apresentem maior risco – como é o caso daqueles com antecedentes criminais – implique algum prejuízo de produtividade ou segurança. Os desafios de comunicação, por fim, moram no fato de que sua eficácia deve ser garantida por meio da constante inclusão, e no fato de se mostrar fundamental que sejam implementados mecanismos de monitoramento dessa eficácia.

 

A realidade do trabalho nos Estados Unidos

Falar de recrutamento justo e iniciativas que vão ao encontro dos direitos trabalhistas, principalmente das pessoas que migram aos Estados Unidos, também pode encontrar resistências frente às questões que estão em debate na conjuntura estadunidense. Nos momentos que antecedem as eleições de novembro deste ano, o tema da imigração se elevou ao patamar dos temas mais importantes de campanha. Com o aumento do conservadorismo de direita e do discurso xenofóbico da anti-imigração, e o consequente processo de queda da imigração, dados factuais como a dependência histórica das empresas estadunidenses da mão-de-obra imigrante, não são levados em consideração ou são fonte de desconhecimento da maioria da população.


Federico Mandelman, economista e conselheiro da Fed de Atlanta, com seus colegas, publicou um estudo que analisa o impacto do declínio prolongado da imigração pouco qualificada desde 2007 até a pandemia da COVID-19 na economia dos EUA.


O estudo, intitulado “Slowdown in Immigration, Labor Shortages, and Declining Skill Premia”, relaciona a redução da mão-de-obra imigrante com aumentos salariais para trabalhadores pouco qualificados, o declínio do progresso educacional dos jovens estadunidenses e a escassez de trabalhadores para empregos pouco qualificados não passíveis de terceirização. Apesar de ir de encontro às diretrizes do recrutamento justo, essas características do trabalho migrante contribuíram para a inflação, desestimularam a educação superior entre jovens trabalhadores e resultaram em uma economia desequilibrada.


Historicamente, os Estados Unidos e o México mantiveram acordos que permitiam a entrada de trabalhadores mexicanos para empregos sazonais, beneficiando ambos os países. No entanto, a partir de 2007, a Grande Recessão e a melhora da economia mexicana reduziram a oferta de trabalhadores imigrantes nos EUA. O declínio na imigração resultou em parte da falta de empregos no país, em parte pela melhoria das condições econômicas no México.


Com a recuperação do mercado de trabalho pós-recessão, os empregadores aumentaram lentamente os salários para atrair trabalhadores para empregos de baixa qualificação, mas a escassez de imigrantes persistiu, contribuindo para a inflação. Além disso, o estudo sugere que a diminuição da imigração pode ter levado jovens estadunidenses a evitar a educação universitária devido ao aumento dos salários para empregos pouco qualificados. A partir dessa realidade, o país passou por uma mudança no perfil dos imigrantes, com um aumento na migração de várias partes do mundo, incluindo Senegal, Ucrânia, Venezuela, América Central, Cuba e Haiti.


Logo, são múltiplos os fatores de análise quando se propõe traçar considerações sobre o futuro da força de trabalho e a migração. A diminuição das taxas de fertilidade no México e na América Central pode reduzir ainda mais o número de trabalhadores imigrantes para os EUA, impactando o mercado de trabalho.


A adesão dos Estados Unidos à Iniciativa de Recrutamento Justo proposto pela OIT representa um avanço necessário para a promoção de um recrutamento que respeite os direitos do trabalhador, como observância principal de suas necessidades, já que essa força de trabalho é necessária e imprescindível à economia dos Estados Unidos, cuja população passa por um envelhecimento crítico de sua população, entre outros fatores.


Como posto acima, são alguns os desafios encontrados durante o processo de implantação dessa estrutura de recrutamento, o que implica a necessidade de resolução e a possibilidade de transformação do mercado de trabalho nos Estados Unidos.

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