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A política imigratória e o Triângulo do Norte: “Calcanhares de Aquiles” do governo Biden

Editores | 08/12/2021 00:13 | Análises
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Em 26 de novembro, publicamos neste Latino Observatory uma análise sobre a crescente frustação dos eleitores de Joe Biden com os rumos dos Estados Unidos nos últimos 11 meses. Esta frustação se reflete nos baixos índices de aprovação popular do presidente. Em parte, isso ocorre por conta da falta de ações concretas para atingir muitas de suas promessas eleitorais. Em 2020, Biden apresentou uma plataforma de governo reformista, de criar uma nova política de imigração e aumentar os gastos públicos para alavancar as obras de infraestrutura e a reconversão energética, que poderiam gerar muitos empregos e dar novo impulso econômico ao país. No entanto, por falta de articulação no Congresso, incluindo com parlamentares do próprio Partido Democrata, e por restrições da Suprema Corte, pouco se viu de mudanças até agora, principalmente no que tange a política migratória.

O tema da imigração é bastante sensível para as comunidades latinas/hispânicas nos Estados Unidos, seja por conta da legalização de imigrantes indocumentados, pela regularização da situação de adolescentes ou pela política de concessão de asilo a pessoas em situação de risco, notadamente do chamado Triângulo do Norte da América Central (TNAC). Com relação ao último ponto, nada avançou nesse período devido à resistência de parte majoritária da população ao afrouxamento de regras e à recusa da Suprema Corte de modificar as diretrizes definidas pelo governo de Donald Trump, conhecida por “Permaneça no México”, ou “Remain in México”, em inglês. No entanto, a perspectiva de mudança se deteriorou ainda mais com o acordo anunciando em 02 de dezembro pelos governos de Washington e México sobre a continuidade dessa política, que obriga os postulantes ao asilo humanitário nos Estados Unidos a permaneceram no México para aguardar a análise dos pleitos pelas autoridades migratórias estadunidenses.  

Na perspectiva do governo mexicano, o acordo com as autoridades de imigração dos EUA ocorreu depois que Washington aceitou as preocupações humanitárias do governo de Lopez Obrador, entre as quais a disponibilização de maiores recursos para abrigos e organizações internacionais para a proteção para grupos vulneráveis, o respeito às condições locais de segurança e proteção, abrigo e capacidade de atendimento do Instituto Nacional de Migração, bem como a aplicação de medidas contra COVID-19, tais como check-ups médicos e a disponibilidade de vacinas para migrantes. O Governo do México decidiu que, por razões humanitárias e temporárias, os migrantes que já possuem hora marcada para comparecer perante um juiz de imigração nos Estados Unidos para solicitar asilo naquele país não serão devolvidos a seus países de origem. 

Por conta desse entendimento, em 06 de dezembro, os Estados Unidos retomaram a política “Remain in México” e passaram a devolver os requerentes de asilo de outros países latino-americanos ao México, onde são obrigados a esperar enquanto seu caso é avaliado. Como consequência desta política, os requerentes de asilo aguardam a entrevista de triagem nas cidades fronteiriças mexicanas, onde pessoas vulneráveis têm sofrido com ações de grupos criminosos locais, como estupros, roubos, extorsões e sequestros. Diante desse quadro, o presidente Dr. Raul Ruiz, do grupo de lobby latino Congressional Hispanic Caucus (CHC), divulgou, em 02 de dezembro, a seguinte nota: “O CHC está profundamente preocupado com o anúncio do governo Biden de que restabelecerá a política de permanência no México em cumprimento a uma ordem judicial. Esta política anti-imigração da administração Trump colocou milhares de migrantes vulneráveis em perigo. O CHC aplaudiu os esforços do governo para encerrar o programa em outubro e discordamos veementemente da ordem judicial que força o restabelecimento desta política desumana. O CHC está pronto para continuar nosso trabalho com o governo para construir um sistema de imigração humano, justo e eficiente e que seja consistente com nossos valores americanos". 

O problema da imigração (legal e ilegal) se relaciona com as péssimas condições de vida nos países latino-americanos, mesmo antes da eclosão da pandemia de Covid-19, mas que foi muito agravado por esta. Grande parte dos migrantes que hoje se concentram no México à espera de asilo nos Estados Unidos são oriundos do chamado Triângulo Norte da América Central (TNAC), que engloba os territórios de El Salvador, Honduras e Guatemala. No ano fiscal de 2021 (que fechou em setembro), foram detidos pela polícia de fronteira 684 mil pessoas vindas de Honduras, Guatemala e El Salvador, superando o número de mexicanos detidos (609 mil). 

O Triângulo Norte é marcado pela miséria, baixa renda per capita, elevado desemprego e, principalmente, pela violência relacionada à atuação do crime organizado, como os cartéis de drogas e as “maras”, gangues formadas nos Estados Unidos por jovens imigrantes, originariamente de El Salvador, mas que se espalharam para outras comunidades de imigrantes, como mexicanos e hondurenhos, e que também se estruturam nos países de origem desses imigrantes. Os grupos de maras estão envolvidos com crimes variados, como o tráfico de armas, assaltos, roubo de carros, tráfico de drogas, extorsão, roubo de identidade, jogo ilegal, imigração ilegal, sequestro, lavagem de dinheiro, prostituição e vandalismo. Os indicadores de violência nessa região, como os das mortes violentas, superam os números de países em guerra. Os países do TNAC também têm sofrido com a instabilidade política, corrupção generalizada, e, mais recentemente, com desastres ambientais relacionados com a mudança climática, como furacões cada vez mais severos.

O Triângulo Norte da América Central e o governo Biden

O enfrentamento da crise migratória originada no Triangulo do Norte foi abordado no plano de governo de Biden, durante a campanha eleitoral de 2020: “Joe Biden sabe que a maneira mais eficaz e sustentável de reduzir a migração do Triângulo do Norte é abordar de forma abrangente suas raízes - os fatores que levam as pessoas a deixar seus países em primeiro lugar - porque ele já fez isso antes. (...) Como presidente, Biden eliminará imediatamente as políticas de imigração draconianas do governo Trump e galvanizará a ação internacional para enfrentar a pobreza e a insegurança que estão levando os migrantes do Triângulo Norte para os Estados Unidos. Os governos e sociedades da América Central têm a responsabilidade primária de abordar os motores da emigração em seus próprios países, mas a profundidade das reformas necessárias requer assistência e cooperação internacionais sustentáveis”.

Já no governo, Biden incumbiu a Vice-Presidente Kamala Harris, em 24 de março, como responsável pela articulação de uma política voltada para enfrentar as origens da crise migratória no TNAC. De acordo com Biden: “eu pedi a ela, a Vice-Presidente, hoje - porque ela é a pessoa mais qualificada para fazer isso - para liderar nossos esforços com o México e o Triângulo Norte (...) para conter o movimento de tantas pessoas, impedindo a migração para a nossa fronteira sul (...) Já estamos conversando com o México sobre isso; ela já fez isso. Vamos lidar com uma equipe completa agora que temos que lidar com o problema aqui em casa, mas também lidar com ele agora em termos de país”. 

Em 27 de março, Kamala Harris fez um “chamado à ação” em que exortou empresas privadas a investir nos países do TNAC com vistas a estimular um desenvolvimento inclusivo e criar oportunidades de emprego para a população local. De acordo com a Casa Branca, Harris afirmou: “Nossa estratégia abrangente para abordar as causas profundas da migração envolverá compromissos significativos de recursos do governo dos EUA para apoiar o desenvolvimento de longo prazo da região - incluindo esforços para promover oportunidades econômicas, fortalecer a governança, combater a corrupção e melhorar a segurança. Essa abordagem alavancará compromissos e recursos dos governos do Triângulo Norte, bem como parcerias com bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições financeiras internacionais. O apoio ao desenvolvimento de longo prazo da região e do Hemisfério Ocidental de maneira mais ampla exigirá mais do que apenas recursos do governo dos Estados Unidos. (...) O governo espera aumentar a colaboração com empresas privadas - norte-americanas, estrangeiras e locais no Triângulo Norte e na América Latina de forma mais ampla - para desenvolver esta convocação para a ação nos próximos meses e anos”. 

Avançando nas articulações para levar adiante a nova abordagem do governo Biden, Ricardo Zúniga, Enviado Especial para o Triângulo Norte, viajou para a Guatemala e El Salvador entre 5 e 8 de abril de 2021, além de conversar com o chanceler de Honduras em 9 de abril. Em uma entrevista coletiva, realizada nesse dia, Ricardo Zúniga informou que se reuniu com os governantes de Guatemala e El Salvador, além de representantes da sociedade civil, imprensa e empresários. De acordo com ele: “Graças à liderança da Vice-presidente, estamos nos organizando como governo para estabelecer cooperação e enfrentar os problemas estruturais que afetaram tantas vidas na América Central até agora. Nossa meta é trabalhar com o povo da América Central para criar uma migração segura e legal, mas também sociedades seguras, prósperas e democráticas, onde os cidadãos da região possam construir suas próprias vidas com dignidade. Que, como eixo central disso, estarão os nossos esforços para combater a corrupção e a impunidade, e também para promover as condições que favoreçam o crescimento não só das grandes empresas, mas também das pequenas e médias empresas, para que possamos tocar mais vidas de uma maneira favorável”. 

Dois meses depois, a Vice-Presidente Kamala Harris visitou o México e a Guatemala para, entre outros assuntos, tratar de enfrentar a crise imigratória no TNAC. Em 08 de junho, na Guatemala, Harris ressaltou os pontos de sua viagem: “Somos vizinhos. E a posição dos Estados Unidos é que estamos interconectados. Compartilhamos laços familiares. Compartilhamos laços históricos. E é importante que, ao embarcarmos em uma nova era, reconheçamos o significado e a importância dessa relação como vizinhos. Também acreditamos que o mundo está, mais do que nunca, tão obviamente interconectado e interdependente. E muitas questões deixaram isso claro - incluindo, mais recentemente, a pandemia COVID-19. Portanto, é do nosso interesse coletivo que trabalhemos juntos onde possamos encontrar a possibilidade de resolver problemas que são antigos, problemas que se baseiam em causas profundas e que se manifestam em termos agudos”. 

Em 9 de junho, no México, um comunicado conjunto abordou o problema da imigração ilegal e a promessa de trabalho compartilhado entre Estados Unidos e México: “Os governos dos Estados Unidos e do México assinaram um memorando de entendimento para estabelecer uma parceria estratégica para enfrentar a falta de oportunidades econômicas no norte da América Central. Os dois governos trabalharão juntos para fomentar o desenvolvimento agrícola e programas de empoderamento da juventude em El Salvador, Honduras e Guatemala e cocriarão e coadministrarão um programa de parceria que lhes permitirá entregar, medir e comunicar melhor sobre a assistência à região”. 

Após a visita de Kamala Harris, a Casa Branca anunciou, em 15 de junho, uma série de medidas para mitigar a crise migratória na fronteira sul, como um melhor tratamento para crianças desacompanhadas, a remoção de barreiras para reunificar as famílias de imigrantes, o aprimoramento do gerenciamento da imigração, notadamente com relação ao tráfico de pessoas, e por fim abordar as causas estruturais da crise migratória.  

É importante notar que apesar de uma série de discursos e diretrizes, nada mudou em termos práticos na política migratória dos Estados Unidos, inclusive a violência contra civis, como foi o caso da utilização de tropas a cavalo para reprimir migrantes haitianos. A manutenção da política “Remain in Mexico” é a face mais evidente.

Antes de concluirmos esta análise, vale a pena mencionar a atuação do governo dos Estados Unidos em assuntos internos da Guatemala e El Salvador. Em 20 de setembro, o Secretário de Estado Antony Blinken anunciou a imposição de sanções a sete personalidades de El Salvador e Guatemala, sob o argumento de que eles ameaçam o processo democrático nesses países. Os nomes das sete autoridades (5 juízes da Suprema Corte de El Salvador e dois procuradores da Guatemala) foram adicionados à lista de Atores Não-democráticos e Corruptos dos Estados Unidos, de acordo com a seção 353 da Lei de Engajamento Aprimorada do Triângulo Norte-Estados Unidos, que torna os perpetradores inelegíveis para vistos e admissão nos Estados Unidos.  

Outra medida adotada pelo governo dos Estados Unidos, desta vez pela Força-Tarefa Anticorrupção do Departamento de Justiça, em 15 de outubro, lançou novas medidas de combate à corrupção na América Central. Na justificativa sobre as novas medidas, o comunicado divulgado pela embaixada dos Estados Unidos na Guatemala cita Kamala Harris: “Como a vice-presidente reconheceu durante sua visita à Guatemala no início deste ano, a corrupção e a impunidade na região minam a democracia, alimentam a migração irregular e representam uma ameaça à nossa segurança nacional porque sustentam organizações criminosas e crimes transnacionais”, disse o procurador-geral adjunto Kenneth A. Polite Jr., da Divisão Criminal do Departamento de Justiça”. 

Ainda de acordo com o comunicado, “O trabalho da Força-Tarefa também é apoiado por agentes especiais da Unidade de Corrupção Internacional do FBI, da Administração Antidrogas dos Estados Unidos e do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos. As alegações serão investigadas por essas agências de aplicação da lei, trabalhando em cooperação com os adidos legais e representantes dos países em nossas embaixadas nos Estados Unidos, bem como com a Força-Tarefa do Departamento de Justiça e o Escritório de Assuntos Internacionais do Departamento”.  

Por fim, é interessante constatar que as propostas dos Estados Unidos para promover o desenvolvimento dos países do Triângulo do Norte da América Central ainda não saíram da prancheta. Em outra oportunidade discutiremos as propostas de investimentos relacionadas ao projeto Build Back Better World (B3W) e as articulações relacionadas ao “nearshoring”, iniciativas que ainda não do discurso que, em tese, poderiam criar melhores condições para os países da América Latina, e não apenas do Triângulo do Norte. A ver.

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