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O resistente desafio das fake news na política

Beatriz Zanin de Moraes | 12/09/2024 16:52 | Análises

A disseminação de desinformação e fake news tem sido um problema global, mas sua influência tornou-se particularmente perceptível nas eleições dos Estados Unidos e da América Latina. Como já referenciado aqui pelo LatinoObservatory, historicamente, a manipulação da verdade, como discutido por historiadores como Marc Bloch e Eric Hobsbawm, sempre esteve presente na construção das narrativas políticas e sociais. Contudo, com a ascensão das redes sociais e das tecnologias digitais, o impacto da desinformação alcançou novas dimensões, afetando significativamente processos eleitorais. Exemplos são as eleições de 2016, nos Estados Unidos e as eleições de 2018 no Brasil.


Na perspectiva das eleições americanas de 2016, ainda como mencionado na análise do Latino Observatory, um estudo da Ohio State University indicou que notícias falsas desempenharam um papel crucial na diminuição do apoio a Hillary Clinton, influenciando diretamente a escolha dos eleitores. Por sua vez, a população brasileira enfrentou ferozmente o problema da desinformação na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, durante a qual estratégias usadas na campanha de Donald Trump foram espelhadas pelo eleitorado do candidato do Brasil. O fenômeno das fake news é preocupante pois assim que manipula a percepção pública, abala a confiança do povo nas instituições democráticas em sua integridade e legitimidade.


A partir do contexto passado, fica evidente que, à medida que os Estados Unidos se preparam para novas eleições, torna-se crucial intensificar as discussões acerca das medidas adotadas para verificar a veracidade das notícias e combater a desinformação, visando proteger a democracia. A reflexão sobre o impacto histórico das fake news levará a uma análise das práticas de verificação de fatos que estão sendo implementadas atualmente, essenciais para mitigar o poder de influência dessas falsas narrativas no processo eleitoral; em especial, das plataformas Factchequeado e El Detector, que conseguem acessar as comunidades latinas nos Estados Unidos.

 

O Papel da Verificação de Fatos

Rafael Olavarría, membro do projeto Factchequeado, exemplifica a luta diária contra a desinformação em espanhol nos Estados Unidos. Em um exemplo recente, Olavarría corrigiu várias vezes uma falsa alegação de que os EUA estavam secretamente trazendo 320 mil imigrantes não autorizados para o país, uma distorção do programa federal de "parole humanitário". Apesar das correções feitas por várias fontes confiáveis, incluindo a Associated Press, políticos como o senador Ted Cruz continuaram a repetir a falsa narrativa. Ainda, quando questionado pela Capital & Main sobre a publicação de desinformação de Cruz, um porta-voz de seu gabinete se recusou a comentar e, em vez disso, recorreu ao “X” para atacar o repórter como tendencioso.


Verificadores de fatos combatendo a desinformação em espanhol e especialistas no assunto falaram com a Capital & Main sobre o problema da desinformação viral. O cenário que eles descrevem é cheio de muita desinformação e poucas pessoas tentando esclarecer os fatos, como remar contra uma maré selvagem. Carlos Chirino, supervisor de uma equipe de 10 pessoas no El Detector, um projeto de verificação de fatos na Univisión, descreve como “uma luta desigual”. Colocar informações precisas nas mãos dos falantes de espanhol entre os 36,2 milhões de eleitores latinos elegíveis nos EUA só se tornará mais importante nos meses que antecedem a eleição presidencial de novembro, alega a equipe. 


A Univisión lançou o El Detector em 2015 e seu trabalho mudou conforme a desinformação em espanhol mudou, segundo Chirinos. Aproximadamente nos últimos cinco anos, o conteúdo voltado para comunidades latinas nos EUA tem sido originado cada vez mais de países de língua espanhola, como Venezuela, Colômbia ou Peru, ele observou. “Tentamos fazer ataques preventivos”, contou o supervisor, descrevendo que isso envolve identificar desinformação quando essa se origina em outros países para então preparar materiais de verificação de fatos voltados ao público dos EUA. A equipe de 10 pessoas de Chirinos intensificou os esforços buscando multiplicar suas capacidades de checagem de fatos no final de abril, a partir do treinamento de repórteres da Univisión em cidades com grandes populações de língua espanhola, como Houston, Los Angeles, Miami e Chicago. A ideia é que os repórteres locais identifiquem desinformação viral em suas áreas e transmitam a checagem de fatos.


Ainda no desafio das organizações de verificação de fatos enfrentam o desafio de reagir rapidamente às informações falsas que se espalham rapidamente, especialmente em plataformas que priorizam conteúdos polêmicos, o Factchequeado, desenvolveu parcerias com mais de 70 organizações de mídia e comunitárias. A colaboração também é voltada para a comunidade latina nos Estados Unidos e inclui a formação de jornalistas locais em grandes cidades dos EUA para identificar e corrigir informações falsas em tempo real. O Al Día, versão em espanhol do Dallas Morning News, é um dos mais de 70 parceiros em todo o país, ou seja, utiliza-se do trabalho do Factchequeado para corrigir notícias falsas virais sobre imigração e eleições. Como um dos três da equipe do Al Día, Rafael Carballo enfrenta o desafio de atender mais de 67.000 lares que falam principalmente espanhol no Condado de Dallas.  


“Não temos pessoal suficiente para antecipar [desinformação viral] antes que aconteça”, disse Carballo. “Estamos trabalhando de forma reativa”, confessou o editor. “Nossas mãos estão atadas.”

 

Desafios e Limitações

Embora iniciativas como Factchequeado e El Detector representem passos importantes na luta contra a desinformação, elas enfrentam obstáculos significativos. As plataformas de mídia social, como TikTok, Facebook e Instagram, frequentemente não agem de maneira proativa ou sistemática para remover conteúdos falsos, apesar das denúncias e do trabalho das equipes de verificação de fatos. No sentido de pressionar tais plataformas, a National Hispanic Media Coalition (NHMC) se uniu a organizações de direitos civis, anti extremismo e latinas para lançar um projeto para responsabilizar as plataformas de mídia social em 2021. Essa iniciativa, chamada Spanish Disinformation Coalition, surgiu depois que o Facebook não conseguiu remover a desinformação eleitoral e as postagens de milícias incitando a violência em espanhol, apesar do anúncio da empresa em 2020 de que o faria.


Apesar de tudo, tem-se conseguido pouco resultado, disse Daiquiri Ryan Mercado, consultora jurídica estratégica e consultora política da National Hispanic Media Coalition. Eles têm "muito pouco incentivo comercial" para fazer isso, contou. Tal fato levou a NHMC e outros grupos a procurarem as autoridades da Federal Trade Commission e da Federal Communications Commission, mas as discussões tampouco se mostraram produtivas, relatou Mercado.

 

Impacto nas Eleições

Com as próximas eleições nos Estados Unidos se aproximando, a preocupação com o impacto da desinformação nas comunidades latinas é crescente. A desinformação direcionada a esses eleitores pode não apenas distorcer sua percepção dos candidatos e questões, mas também desmotivar a participação eleitoral. Como observou Gabriel R. Sánchez, a desinformação sobre fraudes eleitorais pode levar eleitores latinos a questionar a eficácia de votar, prejudicando a participação democrática.


Enquanto Olavarría e sua equipe continuam a fazer tudo o que podem para estar onde a comunidade latina está, a batalha contra a desinformação é árdua e contínua. A importância de promover o pensamento crítico e a alfabetização digital entre os eleitores latinos é vital para mitigar os efeitos dessa desinformação, e aqueles que já conseguem fazer análises críticas do que leem também precisam se engajar no combate das fake news sinalizando-as nas redes e trazendo à pauta o contexto, a verdade da informação.

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