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Proud Boys e o ativismo da extrema-direita nos Estados Unidos

Marcos Cordeiro Pires / Thais Caroline Lacerda | 19/06/2022 14:12 | ANÁLISIS
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Na última quinta-feira, 9 de junho de 2022, a comissão especial da Casa dos Representantes dos Estados Unidos que investiga a tentativa de golpe de estado em 6 de janeiro de 2021 organizou a sua primeira audiência pública, de um total de oito sessões programadas para o mês de junho de 2022, para trazer à tona os fatos que até então eram desconhecidos da população sobre a invasão do Capitólio. A primeira audiência foi transmitida ao vivo por inúmeras redes de notícias do país, exceto a Fox News, que continua apoiando as falsas alegações de fraude de Donald Trump. 

De acordo com o The New York Times, a reunião presidida pelo deputado democrata Bennie Thompson (MI) e pela dissidente republicana Liz Cheney (WY), os depoimentos e as imagens que estão sendo divulgadas reforçaram a tese de que a invasão do Capitólio não foi espontânea, mas fortemente incentivada por Donald Trump e organizadas por grupos radicais. Chamou atenção ao fato de que Ivana Trump, filha do ex-presidente, disse que não concordava com os argumentos sobre fraudes eleitorais que tivessem prejudicado a reeleição de Trump. Um segundo fato que merece destaque é que duas organizações paramilitares de extrema-direita, os Proud Boys e o Oath Keepers, planejaram as ações de sabotagem para impedir a nomeação de Joe Biden pelo Senado.

A despeito de as audiências públicas ainda estarem em andamento, a temática que emergiu da primeira sessão possui especial interesse para o Latino Observatory: a atuação de grupos de extrema-direita que contam com a participação de latinos/hispânicos, como o caso específico do “Proud Boys”, liderado ativista pelo cubano-americano Enrique Tarrio, cujo perfil destacamos nesta atualização do site. 

A milícia Proud Boys foi mencionada diretamente por Donald Trump durante o debate eleitoral realizado em 30 de setembro de 2022. Tal como relata a Reuters, “o moderador do debate, Chris Wallace, perguntou a Trump se ele estava disposto a condenar supremacistas brancos e grupos de milícias e dizer-lhes para “retirar-se” e não aumentar a violência durante protestos recentes em cidades dos EUA como Portland, Oregon e Kenosha, Wisconsin [cidades onde eclodiram as manifestações de massa contrárias à violência policial que resultou na morte do afro-americano George Floyd]. Trump concordou em fazer isso, perguntando: ‘Quem você gostaria que eu condenasse?’ Biden interveio: ‘Os Proud Boys’. Trump então instou os Proud Boys a “afastarem-se e aguardarem”, e continuou: ‘Mas eu vou te dizer o quê. Eu te direi uma coisa. Alguém tem que fazer algo sobre a antifa e a esquerda porque isso não é um problema da direita’. Em um canal do Proud Boys no aplicativo de mensagens Telegram, os membros compartilharam uma versão de seu logotipo que incluía as palavras “afaste-se, aguarde” após os comentários de Trump. Joe Biggs, um membro do Proud Boys, comemorou a menção do grupo na plataforma de mídia social Parler, dizendo: ‘O presidente Trump disse aos Proud Boys para ficarem parados porque alguém precisa lidar com o ANTIFA... bem, senhor! estamos prontos!’”

Quem são os Proud Boys?
De acordo com a Wikipedia, os Proud Boys são uma organização política neofascista de extrema-direita que admite apenas homens como membros e que promove e se envolve em violência política nos Estados Unidos e Canadá. Embora o grupo afirme rejeitar o racismo, vários membros dele foram afiliados à supremacia branca, e os Proud Boys foram descritos por organizações de inteligência dos EUA como “um perigoso grupo supremacista branco”. O grupo começou como uma piada na revista de extrema direita Taki’s em 2016 pelo cofundador e ex-comentarista da Vice Media Gavin McInnes, levando o nome da canção “Proud of Your Boy” do filme da Disney Aladdin. Proud Boys surgiu como parte da alt-right, mas no início de 2017, McInnes começou a se distanciar da alt-right, dizendo que o foco do alt-right é raça, enquanto seu foco é o que ele define como “valores ocidentais” ou “alt-lite”. Este esforço de reformulação da marca intensificou-se após a Manifestação Unite the Right. Desde 2019, seu líder é Enrique Tarrio, um empresário americano que se identifica como afro-cubano. 

No perfil traçado pelo jornal The Guardian, “os Proud Boys são um clube masculino autoproclamado “chauvinista ocidental”, fundado em 2016 por Gavin McInnes. O grupo às vezes se pinta como uma organização fraternal maluca; na prática, está muito mais próximo de uma gangue de rua, e McInnes descreveu publicamente o grupo como uma gangue. Suas reuniões tendem a envolver grandes quantidades de bebida e violência. Os membros participam de rituais incomuns para ganhar status dentro do grupo. Eles têm um uniforme (camisas Fred Perry), cores de gangue (preto e amarelo) e um mascote/símbolo (um galo). Tradicionalmente, os Proud Boys seriam considerados nada mais do que uma versão modernizada de skinheads racistas. Eles se empacotam, no entanto, em uma personalidade “hipster” que usa humor e ironia para espalhar pontos de discussão de extrema-direita que se opõem ao feminismo, à imigração, ao politicamente correto e ao status quo.”

Em 2019 e 2020 os Proud Boys se envolveram em confrontos contra o movimento Black Lives Matter em diversas cidades dos Estados Unidos. Em 12 de dezembro de 2020, eles atacaram a Igreja Metodista Unida de Ashbury, a igreja negra mais antiga em Washington, DC, após participarem de um comício em favor de Trump e pela revisão dos resultados eleitorais. Por conta desse evento, Enrique Tarrio foi preso em 4 de janeiro de 2021 e liberado após pagamento de fiança. Foi por isso que ele não se envolveu diretamente no ataque ao Capitólio, pois a justiça o proibiu de retornar a Washington (DC). Em 19 de julho de 2021, ele se declarou culpado de uma acusação de destruição de propriedade e uma acusação reduzida de tentar possuir um dispositivo de alimentação de alta capacidade. Em 23 de agosto de 2021, Tarrio recebeu uma sentença de 155 dias de prisão. 

Por que um afro-cubano adere às ideias fascistas dos supremacistas brancos?

Esta é uma pergunta instigante, pois tal como Enrique Tarrio se define, ele possui origens latinas e afro-cubanas, algo que o colocaria no campo oposto dos supremacistas brancos anglo-saxões, também conhecidos como “red neck”, pescoço vermelho em português. No entanto, assim como Tarrio, muito outros latinos/hispânicos abraçaram os movimentos de extrema-direita, principalmente as comunidades de exilados cubanos e de recém-chegados venezuelanos na Flórida que temem o “comunismo” supostamente representando pela ala mais progressista do Partido Democrata. 

Nesta semana, em 14 de junho, ocorreu um evento muito significativo que se associa com a adesão de segmentos de comunidades latinas com grupos radicais conservadores: a republicana Mayra Flores, uma militante antiaborto e pró-armas, que derrotou o candidato democrata Dan Sanchez na eleição especial que preencheu a vaga no 34.º Distrito para a Casa de Representantes, após a renúncia do titular, Filemon Vela (D). A vitória de Flores foi considerada histórica, já que os democratas mantinham uma longa hegemonia nesta região do Sul do Texas. É ainda mais significativo, pois nesse distrito há uma grande concentração de imigrantes mexicanos, que possuem um perfil político e demográfico distinto dos cubanos. Nas eleições presidências de 2020, Joe Biden venceu o 34º distrito do Texas por apenas 4 pontos nas eleições de 2020.

Para pensar o fenômeno de por que latinos, entre eles os afro-cubanos, aderem à extrema-direita, nos valemos da reflexão extraída da reportagem de Marcela García, colunista do jornal Boston Globe, em que ela analisa especificamente o caso de Enrique Tarrio ao verificar o preconceito antinegro em setores da comunidade latina. Ela inicia o texto chamando atenção à participação dos Proud Boys e de Tarrio em atos contrários às manifestações do movimento Black Lives Matter ocorrido em Miami, em 25 de maio de 2021, e formula a seguinte questão: por que uma pessoa de um grupo marginalizado e oprimido se identificaria com a ideologia da supremacia branca?

Em que pese as diversas participações de Tarrio em atos da extrema-direita, ele busca refutar as acusações de ser uma supremacista branco ao afirmar: “Sou muito moreno, sou cubano, não há nada de supremacia branca em mim”. De acordo com Marcela Garcia, “É claro que as ligações dos Proud Boys com o ativismo e a violência da supremacia branca foram bem documentadas, mesmo antes da insurreição de 6 de janeiro de 2021. O que ainda precisa ser profundamente examinado é por que grupos de extrema-direita são atraentes para latinos de pele escura como Tarrio. 

Garcia entrevista a professora de direito da Fordham University School of Law, Tanya Katerí Hernández, autora do livro “Racial Innocence: Unmasking Latino Anti-Black Bias and the Struggle for Equality”, no qual ela analisa a falsa percepção de que sendo os latinos miscigenados, não haveria entre eles espaço para o racismo que marca a sociedade estadunidense. Assim, de acordo com Hernandéz, “os latinos não poderiam ser discriminatórios, mas está embutida em grande parte de nossa linguagem e em muitas de nossas ações muitas atitudes antinegras e preconceituosas”.

Além de Tarrio, o texto de Garcia cita outros exemplos de latinos envolvidos com a extrema-direita racista, como Juan Cadavid, de origem colombiana, que participou de violentos confrontos pró-Trump no sul da Califórnia em 2017; Alex Michael Ramos, porto-riquenho da Geórgia que espancou o jovem negro DeAndre Harris durante o comício “Unite the Right” em Charlottesville, também em 2017; e Nick Fuentes, o jovem influenciador nacionalista branco de ascendência mexicana-americana. Para a professora Hernandéz, o que leva uma pessoa não branca a participar da violência contra minorias raciais seria uma autodefesa inconsciente, pois “qual é a melhor maneira de se distanciar de se sentir parte de um grupo oprimido? É se alinhar com aqueles que fazem parte dos opressores”.

Nesse contexto em que as redes sociais contribuem para a radicalização política e a tribalização das pessoas, os discursos de ódio ganham terreno, juntamente com a teorias conspiratórias como o Q-Anon e a “Grande Substituição”, que são instrumentalizadas pela extrema-direita. Do lado dos segmentos progressistas, também existe uma grande atomização no entorno de pautas identitárias. Na medida em que essas pautas avançam no debate político, elas atraem ainda mais o ódio e o ressentimento de quem teme as mudanças no status quo com a ascensão de novos grupos e de novas vozes dissonantes. 

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