Cidades santuários são caracterizadas como municípios que limitam ou até negam sua cooperação em ações federais de fiscalização da imigração. Geralmente, elas possuem uma política, escrita ou não, que desencoraja a polícia local a relatar o status de imigração de indivíduos, a menos que envolva a investigação de um crime considerado grave.
São muitas as cidades que se consideram santuários, sendo as de maior porte, Nova York, Los Angeles e Chicago. Contudo, estados e condados inteiros podem se considerar santuários, como Califórnia, Colorado e Washington. À guisa de conhecimento, existem hoje, aproximadamente, 600 jurisdições de santuários em todo o país.
Primeiramente, é importante que se questione: de que modo se iniciou esse movimento? O desenvolvimento das cidades com a característica de “cidade santuário” partiu de uma campanha religiosa e política de acolhimento de imigrantes nos Estados Unidos, sendo Berkeley, na Califórnia, a primeira cidade a reivindicar esse status em 1971, uma vez que era considerada lugar seguro para os soldados da marinha dos EUA se instalarem após a guerra do Vietnã. Com o tempo, começou também a abrigar refugiados de El Salvador e Guatemala.
Nesse início as cidades se centravam, predominantemente, no apoio a organizações e movimentos religiosos, mas a partir da década de 1980 e 1990, sua essência passou a ser mais voltada a favor dos direitos humanos do que de questões propriamente religiosas, voltando o foco cada vez mais para o desenvolvimento de políticas que limitariam o envolvimento da polícia local a questões federais de imigração. Desse modo, esses Santuários, ao se oficializarem, se comprometeram a fornecer abrigo, proteção, bens materiais e, diversas vezes, aconselhamento jurídico aos refugiados, de tal modo de diversas religiões passaram a apoiar o movimento, como os luteranos, católicos,metodistas e judeus.
Recentemente, o número dos santuários continua crescendo, o que poderia trazer à tona a questão acerca de o que estaria camuflado no desejo de receber o caráter de “santuário”. Refletindo pela perspectiva dos direitos humanos, o ato de acolher imigrantes e ajudar com recursos materiais realizaria muito mais benefícios do que detê-los e deportá-los, e, após diversos estudos, essas cidades apresentaram resultados positivos como taxas de criminalidade abaixo da média, rendimento familiar mais elevado e taxa de pobreza menor do que em cidades não santuários. Vale ressaltar, porém, que nessas cidades não ocorre nenhum tipo de violação da lei; o que pode ocorrer é a recusa de funcionários locais à solicitação federal de detenção durante as considerações de deportação, seguindo suas diretrizes constitucionais e regulamentos legais próprios.
Acerca do governo Trump e em novas políticas de imigração, qual será a nova situação das cidades consideradas santuários? Analisando seu último governo, segundo a Federação para a Reforma da Imigração Americana (FAIR), desde novembro de 2016 (com a sua primeira eleição para presidente) o número de jurisdições santuário quase dobrou. Antes de sua posse, apenas 38 jurisdições afirmaram que se recusariam a cooperar com as políticas de fiscalização de imigração de Trump, enquanto, após sua posse, o número chegou a 236, anunciando que se recusariam a cooperar com o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos (ICE) e a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP). No total, o número saiu de 338 no ano de 2016 para 564 em 2018.
Em 2018, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos processou o governador e procurador-geral do Estado da Califórnia por 3 leis estaduais, afirmando que essas leis dificultavam o trabalho dos funcionários federais de imigração e impossibilitava deportar criminosos estrangeiros. Houve a promessa de retirar todo o financiamento federal distribuído para as cidades santuários, se tornando esse um tema-chave de sua campanha; assim ele emitiu uma ordem executiva (8USC 1373), declarando que as jurisdições que não cumprissem com ela não receberiam subsídios federais. A resposta a esse tema foi variada: 33 estados aceitaram a ordem e promulgaram legislações exigindo que as autoridades locais cooperassem com o ICE, enquanto outros estados e cidades afirmaram não cooperar com os esforços federais de imigração, exibindo até políticas de apoio ao acolhimento aos imigrantes. A Califórnia recusou abertamente essa ordem e dois municípios declararam que essa ordem era inconstitucional, emitindo uma liminar permanente nacional contra as disposições consideras inconstitucionais.
Desse modo, há dois polos em análise: havia quem se opunha às políticas de Trump dizendo que obedecer às ordens dos agentes federais de imigração minaria a confiança entre os policiais e as comunidades de imigrantes, enquanto o outro lado alegava que a proteção dos imigrantes contra a aplicação da lei torna as comunidades menos seguras e prejudica o estado dedireito. Por fim, essa ordem executiva de Trump não avançou como parte da Lei de Imigração e Nacionalidade, como esperado, sendo bloqueada pelo tribunal federal; ela foi promulgada como parte da Lei de Reforma da Imigração Ilegal e Responsabilidade do Imigrante de 1996, e também como parte da Lei de Dotações Consolidadas Gerais de 1997.
Atualmente, o novo governo de Trump não promete ser diferente. Segundo a CNN, antes da reeleição, o presidente afirmava que, se fosse reeleito, pressionaria o Congresso a proibir as cidades santuários e daria poder às autoridades federais para coibir a imigração ilegal. Em um comício de campanha na Carolina do Norte, o recém-eleito presidente afirmou: “Hoje, estou anunciando um novo plano para acabar com todas as cidades santuários na Carolina do Norte e em todo o nosso país. Chega de cidades santuários”.
A partir dessas medidas prometidas por Trump, as cidades estão se mobilizando. O prefeito de Nova York, por exemplo, afirmou que “vai fazer ‘tudo que for possível’ para proteger os imigrantes que vivem na principal metrópole dos EUA”, e ainda ameaçou eliminar a lista de imigrantes indocumentados do município para que o governo não tenha acesso a ela. O prefeito de Chicago, por sua vez, garante que a cidade sempre será uma cidade santuário para os imigrantes. Vale ressaltar também Los Angeles, cuja população é composta em 40% por imigrantes e sediou um dos maiores protestos contra Trump após sua reeleição. Seattle, uma das maiores capitais e cidades santuário, afirmou que manteria sua política de abertura aos imigrantes. Por fim, temos Washington, capital dos Estados Unidos e sede do governo que, por contradição ao atual presidente, é uma cidade santuário, tendo Donald Trump afirmado sua pretensão de deportar 3 milhões de pessoas assim que fosse oficialmente empossado.
Tendo em vista todas essas razões, vale ressaltar que não há uma única maneira de lidar com essa situação. Há, por exemplo, a opção de se tornar santuários “silenciosos” sem anunciar suas políticas, de modo que evite atenção, o que, em contrapartida, não fará com que se resolvam os medos e receios dos imigrantes da comunidade. Outros lugares visam desenvolver recursos que apresentem os direitos dos habitantes, coordenando serviços, alocando fundos adicionais para o trabalho de defesa da imigração, rastreando e relatando os impactos humanos de deportações e abusos policiais, a partir da busca de recursos legais e do apoio aos protestos dos imigrantes e a políticas estaduais e federais mais humanas.