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Os democratas em uma Washington vermelha

Felipe Sodré Fabri | 04/03/2025 16:03 | Análises
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Na semana seguinte aos resultados das eleições de 2024 nos Estados Unidos, os democratas precisaram enfrentar uma realidade difícil: como seria a organização do partido para se opor à agenda da próxima administração Trump? Mesmo com uma estrutura ágil e dinâmica para unir o partido em torno da candidatura da ex vice-presidente Kamala Harris após a desistência de Joe Biden, contando com uma plataforma que juntou as diferentes alas do partido contra a turbulenta campanha de reeleição de Donald Trump, não foi possível prever uma derrota tão contundente. Isso, pois, Trump não foi capaz de ganhar todos os estados considerados “pêndulos” no pleito, mas os republicanos conseguiram manter maioria no senado e na câmara dos representantes, além de que, pela primeira vez em vinte anos, venceram o voto popular.


Diversos fatores podem apontar uma explicação para tal situação, seja a rejeição ao governo Biden ou o pouco tempo de campanha de Kamala Harris (praticamente três meses), mas esse contexto serviu para explicar o atual cenário que o partido se encontra, com dificuldade de apontar lideranças e se mostrando pouco efetivo em se opor à certas ações da Casa Branca? É preciso uma análise mais detalhada.


Em resumo, esses foram os resultados das eleições do último ano: 53 republicanos contra 47 democratas no senado; 220 republicanos contra 215 democratas na câmara; Donald Trump eleito com 77 milhões de votos contra 75 milhões de Kamala Harris. Mesmo que alguns desses números tenham sido próximos, como o voto popular e o resultado na câmara dos deputados, é preciso notar uma rejeição forte ao partido democrata pela população americana. Esse cenário escolhido por milhões de eleitores pode ser entendido como uma “trifecta”, em que o partido vitorioso consegue ganhar a presidência, senado e câmara. Essa vitória tripla ocorreu nas duas últimas eleições também em 2016 e 2020, mesmo que no ano de vitória de Biden os números tenham sido mais desfavoráveis: no senado, 50 republicanos e 50 democratas foram eleitos, com a vice-presidente servindo como voto de desempate, além de uma maioria pequena de 222 deputados para os democratas. Desta maneira, ambos os partidos foram prejudicados nas três últimas eleições, mas algo curioso vem ocorrendo em 2025, com os democratas se mostrando inaptos de conseguir se organizar para analisar e se opor a algumas medidas consideradas controversas do segundo governo Trump, diferente, por exemplo, do primeiro mandato do agora presidente dos EUA.


Em 2017, logo após Trump assumir a presidência, a “Marcha das Mulheres” “chacoalhou” os Estados Unidos. Estima-se que mais de 4 milhões de pessoas teriam saído às ruas para protestar exigindo direitos e igualdade para mulheres e minorias; em Washington, por exemplo, mais de 500 mil estiveram presentes, contando com a presença de celebridades epolíticos. No ano seguinte, a “Marcha pelas Nossas Vidas” levou milhões de jovens para a capital americana pedindo mais legislações restringindo a compra de armas, devido ao número crescente de ataques com armas de fogo em escolas. É preciso destacar também os dois processos de impeachment contra Trump e todos os debates levantados sobre suas nomeações e sua própria legitimação como presidente, tendo em vista que ele ganhou de Hillary Clinton em 2016, mas a ex-secretária de Estado teve três milhões de votos a mais que Trump. Nesse sentido, o que explicaria uma campanha que em 2024 tinha o lema de “we are not going back” para um partido que, não apenas aprovou todas as nomeações de Trump até aqui, também conseguiu levar adiante o polêmico Laken Riley Act, com apoio de 12 senadores democratas, incluindo nomes como Ruben Gallego?


A resposta que explica essa inação do partido democrata está no curto período eleitoral que ocorreu no ano passado, levando Kamala Harris a ser a candidata nomeada contra Trump. Mesmo com todo o otimismo e reorganização que o partido realizou para enfrentar o ex-presidente, com milhões de dólares gastos em campanha e participação de várias celebridades, o partido não foi capaz de se livrar da impopularidade do governo e passar a mensagem que Kamala gostaria para o eleitorado. Como consequência, se distanciando dos 81 milhões de votos que Biden obteve em 2020, a vice-presidente conquistou 75 milhões de votos, perdendo espaço nos estados que eram fundamentais para sua vitória e expondo outro fator crítico para os democratas, que parte de seu eleitorado, tido como base, está se distanciando. Para efeito de comparação, o voto feminino, alvo da campanha de Harris, foi de 53%, abaixo dos 57% obtido por Biden em 2020; Trump conquistou 45% dos votos das mulheres, maior número desde 2012 para um candidato republicano. Além disso, entre os latinos, outro grupo importante para o eleitorado democrata, se mostrou caminhando para a direita republicana nessa eleição, com 37% dos latinos optando pelo novo presidente, enquanto 62% votaram em Kamala; mesmo conquistando a maioria dos votos, o desempenho democrata foi inferior aos 66% de votos latinos para Biden, em 2020. Desta maneira, mesmo com a maioria dos votos em grupos relevantes para sua base eleitoral, o partido democrata saiu enfraquecido dessa eleição, chegando aos primeiros dias do governo Trump sem a mesma organização que ocorreu em 2017.


Assim como define a representante Jasmine Crockett, o partido democrata está “sem uma mensagem coerente” para a população. Em entrevista ao The New York Times, a congressista evidencia que após a derrota de Harris, os democratas ficaram sem propostas firmes, diretas para a população e que definissem o partido como força opositora tradicional a Trump. Como vem ocorrendo no congresso, as ordens executivas de Trump, muitas que acabam sendo bloqueadas judicialmente, vêm recebendo atenção reduzida das principais forças políticas, com a grande exceção sendo o caso da USAID. Ademais, casos como a aprovação do Laken Riley Act, agora lei que intensifica a prisão de imigrantes indocumentados que tenham cometido alguma infração (polêmico por poder gerar detenções injustas), foi apoiado por 12 democratas, incluindo Ruben Gallego, senador pelo Arizona. Mesmo levando em conta o estado de Gallego, fronteiriço e com fortes tendências republicanas, esse voto mostra como parte do grupo que compõe as lideranças democratas se encontra desorganizada, passando uma legislação que pode causar muitos problemas a imigrantes que não tenham cometido infrações.


Desta maneira, com um mês completo, a nova Casa Branca se mostra comprometida em implementar a agenda prometida por Trump nos dois últimos anos. Com os democratas, em minoria e sem voz unificada para se contrapor às medidas do governo federal, deportações vêm sendo divulgadas pela conta oficial da Casa Branca, tarifas são impostas para os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, grupos minoritários são alvos de medidas conservadoras e, inclusive, o Canadá vem sendo chamado do “quinquagésimo primeiro estado”. Ou seja, Washington está pintada de vermelho pelo partido republicano, com os meses sendo importantes para notar se o partido democrata vai conseguir se reerguer e buscar unificação e novas lideranças, tendo em vista que as próximas eleições ocorrerão apenas em 2026 e 2028, além do país ter uma enorme visão negativa do partido. Segundo pesquisa recente da Universidade Quinnipiac, 57% dos eleitores têm uma visão negativa do partido democrata, número alarmante que mostra a necessidade de mudançasinternas

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