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Os Refugiados da África do Sul: controvérsias sobre a imigração

Felipe Sodré Fabri | 26/05/2025 09:48 | Análises
IMG United States Department of State

Na segunda-feira, 12 de maio, um grupo de 49 refugiados da África do Sul foi recebido no Aeroporto Internacional de Dulles por uma delegação do governo dos Estados Unidos, situação que, além de marcar a primeira abertura da gestão Trump para a imigração, causou controvérsia. Isso, pois, esses refugiados são da minoria branca do país, os chamados afrikaners que, segundo declarações oficiais do governo sul-africano, o grupo e a população afrikaner em geral do país, não está sendo perseguida ou sofrendo retaliações devido à sua raça ou etnia, justificativa da Casa Branca para recebê-los. Nesse processo, foi garantida uma agilização no processo migratório, alimentação e moradia enquanto esse grupo estiver no país. Como mencionado anteriormente, após alguns meses de forte suspensão dos programas para imigrantes e refugiados, essa iniciativa de abertura à imigração para um grupo minoritário gerou questionamentos internos nos EUA, em especial sobre o porquê esse grupo está sendo privilegiado em detrimento de, oficialmente, não estarem passando por nenhuma retaliação na África do Sul ou enfrentando situações adversas, como desastres naturais.


A polêmica envolvendo os afrikaners é um ponto de instabilidade na turbulenta relação que passou a existir entre a África do Sul e os Estados Unidos após a posse de Trump. O processo se iniciou com a assinatura de uma lei pelo presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que determinaria, em certos casos, a apropriação de uma propriedade pelo Estado sem compensação. Para entender essa legislação, é preciso retornar ao passado do país que, entre 1948 e 1994, foi marcado pelo regime de Apartheid, que instaurou politicamente e socialmente uma segregação racial no país. Esse modelo foi defendido pela minoria branca do país, os afrikaners, descendentes dos colonizadores holandeses e britânicos, que monopolizaram o poder e concentraram a renda em sua pequena população. Nesse período marcado por forte repressão contra manifestações, disparidades entre grupos do país e violência, entre 1946 e 1990, enquanto a porcentagem de brancos no país saiu de 20% para 13%, e a população negra subiu de 68,6% para 76%, fica nítido como a maior parcela da população do país tiveram suas vidas afetadas por um pequeno grupo que detinha o poder.


Esse cenário foi propício para uma concentração de renda muito alta no país. Em 2013, por exemplo, a renda de uma família negra era igual a um sexto da renda média de uma família branca no país, sinalizando a forte desigualdade que se manteve pós-apartheid, e iniciativas do partido dominante, o Congresso Nacional Africano, foram necessárias para reverter esse cenário. Logo, a medida do presidente Cyril teria uma justificativa de reduzir as desigualdades do país, mesmo que seja controversa devido aos problemas atuais enfrentados pela nação africana, como uma grave crise econômica. No entanto, nenhum desses pontos parecem estar na cartilha diplomática da Casa Branca, que apenas trouxe o argumento de perseguição racial para o caso dos afrikaners.


Curiosamente, um dos membros não-oficiais do gabinete de Trump é o bilionário sul-africano Elon Musk, provável pivô dessa disputa entre os dois países. O magnata assumiu o Departamento de Eficiente Governamental (DOGE) e, desde então, vem dando declarações fortes contra as ações do governo sul-africano. Por exemplo, Musk já acusou o país de possuir “leis racistas de propriedade” e que a África do Sul estaria cometendo “genocídio” contra seus fazendeiros brancos. Como já foi observado, seja por declarações oficiais do governo sul-africano ou o passado histórico do país, essas iniciativas não configuram um genocídio ou ataque direto à população branca do país. Logo, fica claro a controversa voltada para o recebimento desse grupo de afrikaners, inserido no contexto de redução dos fluxos migratórios para o país.

 

Além de sua promessa de campanha de deportar onze milhões de indivíduos sem documentação que residem no país, a Casa Branca e seus órgãos estão ocupados por agentes voltados a escrutinar o fluxo migratório para os Estados Unidos. Nesse sentido, diversos exemplos são evidentes, como o envio de tropas do exército para a fronteira com o México, ameaçar e intervir nas políticas de imigração das chamadas “Cidades-Santuários”, boa parte governadapor democratas, revogar vistos de estudantes de algumas das universidades mais renomadas do país e deportá-los (https://www.bbc.com/news/articles/c20xq5nd8jeo), deportar pessoas “erroneamente” do país e, em alguns comentários e ordens executivas que vão contra a carta magna do país, insinuar uma motivação de reverter o direito “jus solis” dos Estados Unidos.


Ou seja, fica evidente uma bifurcação: de um lado, a administração Trump vem restringindo a imigração ao país, incrementando as deportações e tornando o processo para obter direitos, como a cidadania, mais complicados; por outro, um pequeno grupo de indivíduos que, oficialmente, não sofre nenhuma perseguição governamental ou política, é recebido pelo governo com um caminho para obter a nacionalidade mais rápida do que imigrantes que residem no país há décadas. Desta maneira, fica evidente o questionamento de grupos internos sobre essa iniciativa da Casa Branca, polêmica em todos os sentidos. Contudo, alguns pontos também precisam ser mencionados, como a guerra comercial iniciada por Trump, que gerou o famigerado “tarifaço” algumas semanas atrás. Em resumo, o objetivo central dessa imposição de tarifas seria favorecer os Estados Unidos em relações comerciais com países que apresentam superávit perante o país, gerando pressão para novos acordos comerciais, como foi o caso do recente acordo com o Reino Unido. Esse tipo de iniciativa é marcada por pressões contra determinados países, caso do Canadá, China e México, os primeiros a receberem tarifas, ou a Ucrânia, que recentemente assinou um acordo que facilitava a exploração americana de minerais do país em troca de ajuda militar no conflito contra a Rússia.


Nesse sentido, a África do Sul, que contém uma vasta e rica reserva de minerais, poderia ser um alvo da Casa Branca para um acordo similar, que facilitasse o acesso aos recursos do país. Para isso, as leis implementadas pelo governo seriam o alvo, garantindo um enorme efeito entre os sul-africanos ao ponto de fazer o presidente Cyril se encontrar com Trump nos próximos dias para discutir essa tensão entre os dois países.


Por razões comerciais ou não, o acolhimento de refugiados afrikaners é parte de um momento inédito da história dos Estados Unidos. Num contexto de forte perseguição de imigrantes e redução de suas liberdades, um pequeno grupo é recebido pela Casa Branca com um argumento visto como infundado de perseguição racial, contando com um caminho muito facilitado para uma possível nacionalidade americana, enquanto milhares de indivíduos que estariam na “fila” desse processo, estão enfrentando problemas. Fica o questionamento se situações assim se repetirão nos próximos meses, nesse novo paradigma migratório imposto pela segunda administração Trump. 

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