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A Autodeterminação de Porto Rico

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 27/03/2022 09:10 | ANÁLISIS
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Em 18 de março de 2022 completou um ano do início da tramitação do projeto de lei “HR 2070 - Puerto Rico Self-Determination Act of 2021”, que prevê a realização de um plebiscito para que a população do “Estado Livre e Associado de Puerto Rico” decida sobre o status político da Ilha. O projeto em tramitação prevê, dentre outras medidas, estabelecer um processo para o povo de Porto Rico votar sobre a situação jurídica e política do território, para o qual o Congresso pode ratificar a decisão por meio de uma resolução conjunta. Também concede autoridade para que a legislatura de Porto Rico possa convocar uma convenção sobre a condição política do território e garante recursos para a realização de uma campanha pública para informar os eleitores sobre as opções à mesa. Dentre elas estão a independência, a incorporação de Porto Rico como um novo Estado norte-americano, ou ainda, a manutenção do status quo como “Estado Associado”. O HR2070 foi patrocinado pelo Bob Menendez (D -N.J.), e pelas congressistas Nydia M. Velázquez (D -N.Y.) e Alexandria Ocasio-Cortez (D -N.Y.).

Passado um ano do início da tramitação, o projeto continua parado, causando inquietação ente os seus patrocinadores e na população porto-riquenha. Dois eventos têm influenciado esta nova discussão. Em primeiro lugar, a renegociação da dívida de Porto Rico, ocorrida em 2016, por meio da lei conhecida como PROMESA (Puerto Rico Oversight, Management, and Economic Stability Act) que impõe condições draconianas para o seu pagamento. Em segundo lugar, os impactos econômicos e sociais da passagem do “Furacão Maria”, em 2017, que devastou a infraestrutura da Ilha e deixou milhares de mortos. Naquela oportunidade, a população local se sentiu abandonada pelo governo de Donald Trump, que retardou a resposta humanitária, tal como discutimos aqui no portal. Ambos os eventos fizeram despertar a urgência na população para definir sobre o futuro político de Porto Rico, seja pela incorporação como o 51º Estado, ou seja, pela independência, rompendo definitivamente o status semicolonial em que se encontra desde 1898.

Histórico

Uma curta descrição da história de Porto Rico pode ser encontrada no Office of the Historian and the Clerk of the House's Office of Art and Archives

Porto Rico era uma colônia espanhola que passou para o controle dos Estados Unidos em 1898, após a derrota do governo de Madri na Guerra Hispano-Americana. Naquele momento, a Espanha também cedeu aos EUA as Filipinas e Guam, sob o Tratado de Paris, que entrou em vigor em 11 de abril de 1899.

No início do século XX, Porto Rico era governado pelos militares dos EUA, e funcionários do governo, incluindo o governador nomeado pelo presidente dos Estados Unidos. A Lei Foraker, de 1900, concedeu à população do país uma certa representatividade ao criar uma Câmara dos Representantes popularmente eleita. A câmara alta e o governador continuaram a ser nomeados pelo presidente dos Estados Unidos. Em 1917, o Congresso dos EUA aprovou a Lei Jones-Shafroth (popularmente conhecida como “Lei Jones”), que concedeu aos porto-riquenhos nascidos no dia ou após 25 de abril de 1898, a cidadania americana. Mais adiante, a representatividade popular ganhou novo impulso, em 1947, quando o Congresso dos EUA aprovou a Lei do Governador Eletivo, permitindo que os porto-riquenhos votassem em seu próprio governador. As primeiras eleições sob este ato foram realizadas no ano seguinte, em 2 de novembro de 1948.

Em 1950, o Congresso dos Estados Unidos concedeu aos porto-riquenhos o direito de organizar uma convenção constitucional por meio de um referendo. Por este, os eleitores poderiam aceitar ou rejeitar uma proposta de lei dos Estados Unidos que organizaria Porto Rico como uma “comunidade” sob a contínua soberania dos Estados Unidos. A Constituição de Porto Rico foi aprovada pela convenção constitucional em 6 de fevereiro de 1952 e por 82% dos eleitores em um referendo de março.

Em 1967, a Assembleia Legislativa de Porto Rico pesquisou as preferências políticas do eleitorado porto-riquenho, aprovando um ato de plebiscito que previa uma votação sobre o status de Porto Rico. Este foi o primeiro plebiscito do Legislativo para uma escolha entre três opções de status (estado associado, estado pleno ou independência). Nos plebiscitos subsequentes, organizados em 1993 e 1998 (sem qualquer compromisso formal por parte do governo dos Estados Unidos de honrar os resultados), o atual status político não recebeu o apoio da maioria. Naquela oportunidade, as posições por Estado Associado ou por Estado pleno dos Estados Unidos dividiam ao meio a sociedade.

Em 6 de novembro de 2012, ocorreu um novo referendo de duas perguntas, simultâneo às eleições gerais. A primeira pergunta, votada em agosto, indagou aos eleitores se eles queriam manter o status atual sob a cláusula territorial da Constituição dos EUA, e 54% votaram contra o status quo, aprovando efetivamente a segunda questão a ser votada em novembro. A segunda questão apresentava três opções alternativas de status: Estado, independência ou livre associação, e 61,16% votaram pela condição de Estado, 33,34% por um estado associado livre soberano e 5,49% pela independência

O status político de Porto Rico sofreu um revés em 30 de junho de 2016, quando o presidente Obama assinou a lei HR 5278: PROMESA, estabelecendo um Conselho de Controle sobre o governo porto-riquenho com vistas a garantir as cláusulas da renegociação da dívida da Ilha. Este conselho, composto por sete membros indicados pelo Congresso e pelo Presidente dos Estados Unidos, se sobrepõe às autoridades locais eleitas pela população, particularmente para impor o poder em fazer cumprir todas as regras definidas pela lei. O conselho possui poderes soberanos para efetivamente anular todas as decisões do legislativo, do governador e outras autoridades públicas do estado associado. Na opinião de Harry Franqui-Rivera, de 2016: “Agora é óbvio que Porto Rico não se tornou soberano ou deixou de ser uma colônia em 1952. Porto Rico caiu em uma nova categoria. O conselho fiscal é uma imposição colonial, mas não na forma de administração alfandegária dos EUA imposta às nações caribenhas no início de 1900. Afinal, os porto-riquenhos são cidadãos dos EUA e a ilha é um território dos EUA sob o direito internacional. Por outro lado, PROMESA é uma ferramenta colonial porque, ao contrário dos cidadãos americanos que vivem em Detroit, Nova York ou Califórnia, os habitantes do arquipélago porto-riquenho não têm representação real no Congresso, o que significa que não têm (e nunca tiveram) uma voz para influenciar as leis e políticas que moldam suas vidas. Isso inclui a PROMESA”.

É nesse contexto que o tema do status legal de Porto Rico retorna ao debate político dos Estados Unidos.

O debate atual sobre a autodeterminação de Porto Rico

O atual status de Puerto Rico parece se mostrar insustentável no médio prazo. Não apenas pela condição dos habitantes da ilha, mas principalmente pela articulação da grande diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos. Para um governo que defende a liberdade e a autodeterminação dos povos em diversas partes do mundo, é uma situação desconfortável o fato de que os cidadãos de Porto Rico não possam eleger representantes com plenos direitos para o Congresso e tampouco escolher o presidente da República.

O governo de Washington de tempos em tempos é constrangido pelas Nações Unidas por conta do domínio colonial sobre Porto Rico. Em 18 de junho de 2021, a Comissão Especial sobre Descolonização da ONU aprovou um texto pedindo aos Estados Unidos que promovam a autodeterminação e eventual independência de Porto Rico. De acordo com o texto, “a Assembleia observa com preocupação que a área já enfraquecida na qual opera a predominante subordinação política e econômica de Porto Rico é reduzida ainda mais em virtude da decisão do Congresso dos Estados Unidos, sob a Supervisão de Porto Rico, Lei de Gestão e Estabilidade Econômica, conhecida como PROMESA, que criou o Conselho de Supervisão e Gestão Financeira.”

Acerca da lei PROMESA, vale a pena conhecer a opinião da organização Power 4 Puerto Rico, que atua com a diáspora porto-riquenha no país: “O Power 4 Puerto Rico tem consistentemente pedido a abolição da Junta não eleita, antidemocrática e conflitante que está governando Porto Rico. A lei estadunidense que criou a Junta –PROMESA– é nada menos que um colonialismo reforçado. As ações da Junta impuseram uma austeridade catastrófica às costas dos trabalhadores porto-riquenhos, estudantes e os mais vulneráveis. Agora estamos sobrecarregados com pagamentos de dívidas insustentáveis por décadas, com pouca ou nenhuma reforma para melhorar a prestação de serviços essenciais, sem ferramentas para o desenvolvimento econômico e sem vista para o fim do jugo da Junta sobre nosso povo. Agora é a hora de auditar a dívida, cancelar reivindicações ilegais e tornar Porto Rico inteiro novamente.” Muitas das dificuldades enfrentadas pela Ilha para a reconstrução após a passagem do Furacão Maria foram dificuldades pela lógica da austeridade imposta por esta lei. Dentre outros motivos, a Power 4 Puerto Rico se encontra na linha de frente pela aprovação do HR 2070 - Puerto Rico Self-Determination Act of 2021”.

Ao analisarmos a situação da ilha, não se vislumbra a possibilidade de o território obter a independência por conta de sua importância estratégica na primeira cadeia de Ilhas do Caribe, para a defesa dos Estados Unidos no Hemisfério Ocidental. Por outro lado, o atual status de Estado Associado tem se mostrado insuficiente para atender aos anseios da população, ainda mais quando a pouca autonomia que existe é manietada por uma Comissão de Controle indicada por Washington que pode inviabilizar todas as iniciativas dos políticos locais. Por fim, resta questão a transformação de Porto Rico no 51º estado norte-americano. Em tese, esta é a hipótese mais factível, visto que conta com a simpatia de parte dos congressistas republicanos e da maioria dos democratas.

Entretanto, há que se considerar as implicações políticas decorrentes da incorporação de mais dois senadores e mais quatro deputados. Há um receio por parte dos republicanos que a bancada de um eventual estado de Porto Rico possa desequilibrar a representação política no Congresso em favor dos democratas, visto que este partido conta com o apoio majoritário da população latino/hispânica. Este temor se assemelha em muito à situação dos Estados Unidos anterior à Guerra de Secessão, visto que “novos” somente eram admitidos se fosse mantido o equilíbrio entre os estados escravistas e os abolicionistas. Segundo o portal Latino Rebels, assessores do Congresso afirmaram que “A última coisa que os republicanos querem é um novo estado durante este Congresso. Isso sacudiria total e permanentemente cada contagem de votos para adicionar mais dois senadores, especialmente se esses senadores forem democratas.”

Por mais premente que seja este debate, é pouco provável que ele chegue a um bom termo no Congresso dos Estados Unidos. O atual nível de polarização política entre democratas e republicanos está paralisando a adoção de qualquer medida considerada mais polêmica. O único ponto de convergência entre republicanos e democratas é o incremento do orçamento de defesa, ainda mais quando o país busca reagir contra a ascensão de potências concorrentes.

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