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Um pequeno passo rumo à igualdade racial: Senado confirma Ketanji Brown Jackson para a Suprema Corte

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 17/04/2022 10:45 | ANÁLISIS
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Em 7 de abril o Senado dos Estados Unidos confirmou a indicação da juíza federal Ketanji Brown Jackson para compor a Suprema Corte. Ela recebeu o apoio de 53 senadores, sendo 50 democratas e três republicanos, e 47 senadores do Partido Republicano rejeitaram a indicação. Ela deve assumir o mandato apenas em outubro, após o recesso de verão no hemisfério norte.

A juíza Brown Jackson foi indicada pelo presidente Joe Biden em 25 de fevereiro. Naquele momento, Biden cumpria a promessa feita aos seus eleitores de nomear a primeira mulher afro-americana para a Corte Constitucional de Justiça do país. Em 27 de janeiro, de acordo com a Reuters, Biden anunciou que iria nomear uma mulher negra para o cargo. Segundo ele, “Enquanto estive estudando os antecedentes e os escritos dos candidatos, não tomei nenhuma decisão, exceto uma: a pessoa que eu indicar será alguém com extraordinárias qualificações, caráter, experiência e integridade - e essa pessoa será a primeira mulher negra já indicada. para a Suprema Corte dos Estados Unidos.”

A juíza Ketanji Brown Jackson nasceu em 14 de setembro de 1970, em Washington-DC, mas ainda na infância sua família se deslocou para a Flórida. Seus pais se formaram em faculdades e universidades historicamente negras. O pai, Johnny Brown, era um advogado que acabou se tornando o procurador-chefe do Conselho Escolar do Condado de Miami-Dade. Sua mãe, Ellery, serviu como diretora de escola na New World School of the Arts. Jackson se formou em Direito na Universidade de Harvard, trabalhou como advogada e, posteriormente, como defensora pública federal e juíza do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, onde permaneceu até sua indicação à Suprema Corte.

Uma característica interessante a ser destacada na biografia de Brown Jackson, é o fato de ela ser a única juíza de credo protestante (Batista) na atual composição da Suprema Corte. Atualmente, seis dos nove juízes são católicos romanos, dois judeus e um anglicano/católico. Ela substituirá o juiz Stephen Breyer, de confissão judia. Este aspecto é interessante se considerarmos que, apesar de ser a maior filiação religiosa dos Estados Unidos de forma isolada, a Igreja Católica representa apenas 21% da população, enquanto que os protestantes respondem por 41%. Nesse quesito, a parcela protestante da população ainda continua sendo sub-representada na Suprema Corte.

A eleição de Jackson não altera o equilíbrio de forças dentro da Suprema Corte. Seis juízes são identificados como conservadores (John Roberts, Brett Kavanaugh, Amy Coney Barrett, Neil Gorsuch, Samuel Alito e Clarence Thomas), e três juízes como liberais (Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Stephen Breyer). Ketanji Brown Jackson substituirá o juiz Stephen Breyer, que irá se aposentar. Esta maioria conservadora tem dificultado a implementação de muitas políticas defendidas por Biden, como aquelas que se relacionam com a imigração e a contenção à pandemia de Covid-19. Há temores entre os movimentos sociais que esta maioria possa ameaçar o direito de aborto, aprovado em 1973.

A guerra cultural no Senado e a nomeação de uma mulher negra 

A indicação de Brown Jackson trouxe maior polarização entre democratas e republicanos acerca da temática da igualdade e representatividade nos Estados Unidos. De um lado, os setores conservadores que insinuaram que Biden adotou uma política de “quotas” ao apontar uma juíza negra para a Suprema Corte. Também trouxeram à tona o debate sobre os temas da chamada “guerra cultural”, que opõe os setores tradicionalistas e religiosos aos segmentos mais liberais. Ted Cruz (R-TX), durante audiência na Comissão de Justiça do Senado, buscou enquadrar a candidata como apoiadora da Teoria Racial Crítica (TRC). Segundo essa teoria, o racismo na sociedade estadunidense é estrutural e, por conta disso, o sistema educacional deveria traz à luz a perspectiva das populações marginalizadas, especialmente da parcela da população que foi escravizada. Na sua arguição, Ted Cruz tentou desacreditar Ketanji Brown Jackson de diversas formas. De acordo com The Hill, Cruz pediu a Jackson que explicasse ao Comitê Judiciário (composto majoritariamente de pessoas brancas) sobre o significado da TRC. Em seguida, ele afirmou que “a teoria racial crítica enquadra toda a sociedade como uma batalha fundamental e intratável entre as raças. Ela vê todo conflito como um conflito racial.” Mais adiante, Ted Cruz também afirmou que a teoria racial crítica se originou de programas acadêmicos de estudos críticos e, particularmente, de professores de estudos jurídicos críticos da Harvard Law School (onde ambos estudaram) “que são explicitamente marxistas.” 

Os republicanos ainda buscaram criar outros constrangimentos durante as audiências no Senado com vistas a confrontar as posições dos democratas com relação ao debate sobre gênero, que junto com o direito ao aborto e a teoria racial crítica fazem parte da atual guerra cultural. Conforme a revista The Rolling Stones, a senadora Marsha Blackburn (R-TN), durante a arguição, chegou a sugerir a Jackson que o privilégio branco não existe na América. Mais adiante, a confrontou com seguinte afirmação: “Você faz parte do conselho de uma escola que ensina crianças do jardim de infância, crianças de cinco anos, que elas podem escolher seu gênero e que as ensina sobre o chamado privilégio branco”. Em seguida, conforme destaca o jornal US Today, pediu que a candidata explicasse como ela definia o que é ser uma mulher, ao que Jackson respondeu que não era bióloga. Ainda, a senadora do Tennessee perguntou à juíza se “É sua agenda pessoal oculta para incorporar a teoria racial crítica em nosso sistema legal?” Como já informamos, a maioria dos republicanos no Senado votaram contra a indicação feita por Joe Biden, com exceção de Mitt Romney (R-UT), Susan Collins (R-ME) e Lisa Murkowski (R-AL).

Já no campo progressista a indicação da juíza Jackson foi muito bem recebida, pois seu nome congrega a defesa das liberdades civis, a diversidade racial e a inclusão feminina. A senadora Dianne Feinstein (D-CA), de acordo com a America Magazine, perguntou à juíza Jackson, se a decisão da Suprema Corte, conhecida como Roe v. Wade, de 1973, que legalizou o aborto em todo o país, era lei estabelecida. A juíza Jackson concordou que a decisão do tribunal era um precedente vinculante. 
Já o senador Alex Padilla (D-CA), de forma similar aos outros senadores democratas, foi bastante amigável ao fazer suas arguições. Merece destaque a sua afirmação: “As pessoas de cor geralmente precisam trabalhar duas vezes mais para obter metade do respeito. Se (seus críticos republicanos) realmente se importassem com a fé dos americanos no sistema judicial, mesmo que discordassem de você na lei, você deveria ter recebido apoio bipartidário.”

O apoio do movimento social Latino/Hispânico

As organizações sociais da comunidade latina/hispânica nos Estado Unidos apoiaram massivamente a indicação de Ketanji Jackson para a Suprema Corte. Em que se pese a dificuldade de se coordenar os movimentos sociais dos latinos e dos afro-americanos, a indicação da juíza Jackson conflui com os objetivos dos primeiros, como a defesa da igualdade racial, a inclusão social, a defesa dos direitos civis e individuais e a afirmação política das pautas feministas.

Ainda durante a fase de audiências no Senado, o líder do Congressional Hispanic Caucus, deputado Raul Ruiz (D-CA), afirmou em nota, em 16 de março: “A Juíza Ketanji Brown Jackson, uma das mentes jurídicas mais brilhantes de nossa nação, deve receber uma confirmação rápida para ser Juiz Associado da Suprema Corte dos Estados Unidos. O CHC acredita que a ampla experiência da juíza Jackson a qualifica para ser uma forte defensora do estado de direito ao estabelecer precedentes legais para moldar o sistema judicial de nossa nação, promover os direitos humanos para todos e servir diligentemente ao povo e à Constituição. Como presidente do CHC, exorto o Senado a confirmar o juiz Ketanji Brown Jackson. Nós e a nação mal podemos esperar por sua confirmação”.

Também a Hispanic Heritage Foundation emitiu uma nota em apoio à indicação de Joe Biden: “A nomeação da Juíza Jackson para a Suprema Corte é de importância histórica e ilustra a extrema importância da construção de um Tribunal e um Judiciário federal que reflitam a vasta e crescente diversidade desta nação juntando-se à Juíza Sonia Sotomayor e outros. Uma vez confirmado na Suprema Corte, a juíza Jackson considerará cuidadosamente uma infinidade de questões que afetam a comunidade latina. No Tribunal, ela ajudará a moldar a vida de milhões de americanos, incluindo latinos, para as próximas gerações. A Hispanic Heritage Foundation está confiante de que nosso futuro está em boas mãos com a juíza Jackson, que decidirá e governará com grande respeito, cuidado, experiência do mundo real, compaixão e dignidade.”

Em 7 de abril, após a confirmação do Senado, as organizações latinas como a Latinos for a Fair Judiciary (LFJ), Mi Familia Vota, Voto Latino, Hispanic Federation e LatinoJustice PRLDEF emitiram um comunicado comemorando a nomeação de Ketanji Brown Jackson, do qual destacamos a opinião Héctor Sánchez Barba, Diretor Executivo e CEO da organização latina Mi Familia Vota: “A juíza Ketanji Brown Jackson é agora uma juíza da Suprema Corte. Este é um momento incrível na história do nosso país. O compromisso da juíza Jackson com o avanço da equidade racial e social é muito necessário agora. Sua abordagem à infinidade de questões legais que afetam nossas comunidades - incluindo direitos de voto, questões trabalhistas, justiça criminal, imigração, entre muitos outros, está de acordo com as prioridades políticas do Mi Familia Vota. Vimos o processo de confirmação de perto e estamos desapontados, mas não surpresos, com os conservadores atacando e distorcendo o histórico da nova juíza da Suprema Corte. A extraordinária amplitude de experiência da juíza Jackson na segunda mais alta corte do país a torna uma juíza forte e qualificada na Suprema Corte.”

É importante considerar que a nomeação da nova juíza da Suprema Corte é um passo necessário e significativo na luta das minorias dos Estados Unidos com vistas a uma maior equidade racial e social. No entanto, dado o perfil atual da Corte, em que os conservadores possuem uma larga maioria, não se pode esperar mudanças políticas e sociais nos curto e médio prazos. Vale lembrar que mesmo um governo reformista e com amplo apoio social, como o de Franklin D. Roosevelt, enfrentou fortes resistência da Suprema Corte para implementar o seu New Deal. Recentemente os juízes conservadores barraram iniciativas do governo Biden, como o mandato de vacinas e a mudança na política imigratória herdade de Donald Trump. Nesse sentido, a nomeação de Ketanji Brown Jackson não irá alterar o atual perfil de decisões, mas servirá como um símbolo de motivação para parcelas significativas da população que ainda busca o seu “sonho americano”. 

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