A identidade latina nos Estados Unidos é frequentemente associada a países da América Latina que falam espanhol. No entanto, do ponto de vista dos países latino-americanos, os latinos são as populações que habitam os países colonizados por Portugal e Espanha. Estes compartilham muitas características socioculturais, como línguas de matriz latina, as influências mouriscas e judaicas da Península Ibérica, a religião católica, a miscigenação entre europeus, indígenas e africanos e muitos aspectos da culinária, da música e da dança. Em tese, há muito mais pontos de intersecção entre as culturas das Américas espanhola e portuguesa do que de diferenciação.
No caso do Brasil, o idioma oficial é o português, mas assim como na América Espanhola, a sua identidade também é moldada por uma diversidade cultural que inclui influências indígenas, africanas, de europeus não ibéricos, asiáticos, entre outras. Isso pode levar alguns brasileiros a se identificarem menos como latinos - principalmente, considerando a falta de integração política brasileira com os países da região - e mais como brasileiros ou mesmo como parte de um grupo étnico específico, como afro-brasileiros ou indígenas brasileiros. Por conta disso, a classificação de brasileiros como latinos nos Estado Unidos é um tema controverso, abrindo espaço para confusões quanto à sua identificação.
A descoberta de um erro de codificação no Censo dos EUA ocorrido em 2020 revelou que mais brasileiros se consideram latinos do que se pensava, de acordo com um novo relatório do Pew Research Center, destacando os problemas de longa data sobre como a população latina dos EUA é medida pelo censo. Esta discrepância é relevante, pois a contagem precisa da população é crucial para várias políticas públicas, como a alocação de recursos federais, representação política, enfrentamento de preconceitos e construção de uma identidade.
A discrepância no número de brasileiros identificados como latinos ou hispânicos é significativa. Para mensurar o problema, vale citar que duas edições da pesquisa American Community Survey, de 2019 e 2021, organizadas pelo US Census Bureau, apontavam para um número muito baixo de brasileiros considerados latinos. A primeira apontava que apenas cerca de 14.000 brasileiros nos EUA se identificavam como hispânicos ou latinos. Já o levantamento organizado de 2021 informava que este número havia subido para 16.000. A ACS é realizada anualmente e é uma das principais fontes de informações sobre a população americana. Esses dados são usados para contribuir nas decisões sobre a alocação de recursos e políticas públicas. No entanto, em 2020, o número de brasileiros considerados latinos disparou para, pelo menos, 416.000, apontando uma discrepância muito grande, sugerindo que algo estava errado com a contagem. De qualquer forma, foi essa discrepância que chamou atenção para os dados quantitativos sobre a identificação da comunidade brasileira nos Estados Unidos.
Esse erro aconteceu porque, nos Estados Unidos, os brasileiros não são considerados hispânicos ou latinos conforme a definição do termo do governo federal, revisada pela última vez em 1997. Somente pessoas de ‘cultura ou origem espanhola’, como americanos com herança mexicana, porto-riquenha ou cubana, independentemente da raça, são consideradas hispânicas ou latinas. Por isso, a resposta “brasileiro” de pessoas que se identificam como hispânicas ou latinas é automaticamente codificada como brasileira e não como hispânica ou latina, segundo as regras de codificação do Census Bureau.
Conforme o Pew Research Center, o problema da contagem que mostrou um número tão expressivo de brasileiros ocorreu durante o processo de edição de dados para o ACS 2020. Naquele ano, o Census Bureau inadvertidamente deixou os brasileiros e alguns outros grupos fora de seus procedimentos de retro-codificação. Esse erro resultou em grandes aumentos no número de pessoas contadas como hispânicas ou latinas nesses grupos. Esse problema, em particular, destaca que muitos brasileiros que se identificam como hispânicos ou latinos, revelando que sua visão de sua própria identidade não se alinha necessariamente com as definições oficiais do governo.
É importante refletir que as diferenças regionais e étnicas dentro da comunidade latina são significativas e podem ser vistas nas variações da língua espanhola, nas tradições culinárias e nas expressões artísticas, bem como nas opiniões políticas. Contudo, os latino-americanos que vivem nos Estados Unidos, incluindo os que fazem parte da comunidade brasileira, têm sua própria experiência cultural e enfrentam desafios únicos, como a assimilação à cultura americana e o preconceito racial e étnico. Portanto, é importante entender a complexidade da identidade latina e a diversidade dentro dessa comunidade para promover uma representação mais justa e precisa das pessoas que se identificam como latinas ou hispânicas.
Nesse sentido, deve-se considerar a opinião do diretor de pesquisa de raça e etnia do Pew Research Center, Mark Hugo Lopez, que afirmou ao The Hill: “Quando alguém indica que é hispânico ou latino, eles marcam essa caixa e escrevem que sua origem é brasileira, existem regras de codificação do Census Bureau que pegam a resposta brasileira dessa pessoa e também a resposta latina e a alteram para que eles não sejam marcados como latinos, mas indicados como brasileiros”. A divergência entre a autoidentificação dos brasileiros como latinos e a classificação do governo federal que aparta os brasileiros é um exemplo da importância de se entender a complexidade do tema. Este tema foi tratado pelo Latino Observatory em 07 de maio de 2022, quando chamávamos atenção para a subcontagem de latinos de origem africana.
Apesar de não serem considerados latinos pela categorização do governo estadunidense, os brasileiros são vistos como latinos pela maior parte da população e estão sujeitos aos estereótipos e preconceitos relacionados à população latina. O preconceito enfrentado pelos brasileiros nos Estados Unidos é um problema real e preocupante que afeta muitas pessoas de diferentes maneiras. Existem várias razões pelas quais os brasileiros enfrentam preconceito nos Estados Unidos, incluindo estereótipos negativos, discriminação cultural e linguística, bem como ações de indivíduos ou grupos que perpetuam essas atitudes negativas.
Podemos citar a perpetuação de estereótipos negativos na mídia, na cultura popular e na indústria do entretenimento. Muitas vezes, os brasileiros são retratados como pessoas preguiçosas, sexualmente promíscuas ou, até mesmo, como criminosos. Estereótipos baseados em preconceitos profundamente enraizados que são muito prejudiciais para todos os brasileiros nos EUA, independentemente de sua origem, posição social ou profissional. E a exclusão dos brasileiros da comunidade latina inviabiliza que esse problema seja enfrentado de maneira ampla e eficaz.
Além disso, a barreira linguística pode ser um fator importante na discriminação contra os brasileiros nos EUA, e sua semelhança com o espanhol faz com que todos sejam tratados como iguais. Devemos considerar, também, que muitos brasileiros não falam inglês fluentemente, o que pode levar a mal-entendidos e conflitos com outras pessoas. Essa barreira linguística também pode impedir os brasileiros de conseguirem empregos melhores e mais remunerados, limitando sua mobilidade social e econômica. Outro fator que contribui para o preconceito contra os brasileiros nos EUA é a falta de compreensão cultural associada aos estereótipos.
É importante relembrar que a comunidade brasileira nos Estados Unidos é uma das maiores e mais diversificadas entre as comunidades latinas no país. Segundo oMinistério das Relações Exteriores do Brasil, em 2020, existiam aproximadamente 1,8 milhão de brasileiros vivendo nos EUA, com concentrações significativas em cidades como Nova York, Boston, Miami, Los Angeles e San Francisco. A grande maioria dos brasileiros nos EUA é composta por imigrantes que chegaram ao país em busca de melhores oportunidades de emprego e de estudo.
Apesar de ser uma comunidade diversa, os brasileiros nos Estados Unidos muitas vezes enfrentam desafios similares. Além disso, a comunidade também está envolvida em questões políticas e sociais, como imigração e direitos civis, e muitas vezes trabalha para garantir que os interesses dos brasileiros sejam representados nos Estados Unidos, como relatamos em outras análises sobre os brasileiros nas disputas eleitorais durante as midterms, buscando garantir representação política. A comunidade brasileira também tem uma forte presença cultural, com festivais e eventos em todo o país que celebram a rica herança brasileira em música, dança, culinária e outras formas de arte.
Pensando nisso, é essencial que os políticos e as instituições revisem essa categorização e estabeleçam regras mais claras e eficazes de codificação para garantir a precisão da contagem da população. O Census Bureau deve atualizar sua definição de hispânico ou latino para incluir grupos que não são atualmente considerados, como os brasileiros. Isso garantiria que todos os grupos que se consideram hispânicos ou latinos sejam contados adequadamente.
Em conclusão, a falha no Censo dos EUA de 2020 enfatiza a importância da inclusão e da precisão dos dados demográficos. A identificação correta de indivíduos hispânicos ou latinos é crucial para o planejamento de políticas públicas e para a distribuição justa de recursos governamentais. Além disso, a subcontagem de minorias étnicas pode levar a uma sub-representação política inadequada, afetando negativamente a tomada de decisões políticas a nível nacional.
É
vital que o Census Bureau atualize
suas definições e regras de codificação para garantir a inclusão de todas as
comunidades, especialmente em um momento em que a diversidade étnica e racial
está aumentando nos Estados Unidos. Ademais, não custa lembrar que a
distribuição das cadeiras na Câmara de Deputados dos Estados Unidos depende das
informações do censo decenal.