Rua Hygino Muzy Filho, 737, MARÍLIA - SP contato@latinoobservatory.org
IMG-LOGO
Início / Notícias

Notícias

O voto latino e a campanha presidencial de Kamala Harris: reaproximação?

Felipe Sodré Fabri | 12/08/2024 18:55 | Análises
IMG The United States Senate - Office of Senator Kamala Harris

Desde a desistência de Joe Biden da corrida presidencial no dia 21 de julho, o partido democrata se uniu ao redor da vice-presidente Kamala Harris em manifestação de apoio, além do próprio presidente.


Em uma semana favorável para a campanha de Donald Trump, a chegada de Kamala na corrida eleitoral alterou substancialmente um cenário que para ele estava sendo positivo, pois o ex-presidente vinha liderando as pesquisas em relação à Biden, principalmente após o primeiro debate presidencial. Uma pesquisa do instituto Pew Research Center mostrou que Trump teria 44% das intenções de voto contra 40% de Biden, diferença que acentuou a fragilidade da campanha do atual ocupante da Casa Branca. Porém, em seu primeiro passo como possível candidata à cabeça de chapa, buscando a nomeação do partido, Kamala Harris arrecadou US$81 milhões, além de receber apoio das diversas alas do partido democrata e estar, atualmente, superando Trump em inúmeras pesquisas de intenção de voto. Ou seja, a vice de Biden se consolidou como uma opção viável a Donald Trump, no entanto, outras preocupações, como a progressiva rejeição do voto latino, continuam.


O apoio da comunidade latina nos Estados Unidos já era um problema muito relevante para Joe Biden. Hoje permanece como um enorme desafio a ser superado por Harris a menos de 100 dias até a eleição que está marcada para o dia cinco de novembro.


Historicamente, os latinos se consolidaram como um grupo que apoia fortemente o partido democrata. Entre 2016 e 2024, o voto latino cresceu de 27 milhões de eleitores para 36 milhões, número expressivo segundo pesquisa do PewResearch Center. Além disso, os candidatos democratas para a presidência apresentaram um forte apoio dos latinos, como foi o caso de Barack Obama, Hillary Clinton e Joe Biden. Os candidatos obtiveram, respectivamente, 71%, 66% e 61% dos votos latinos, sinalizando um apoio expressivo e fundamental para chegar à Casa Branca. Contudo, como se pode notar pelos números e também para as pesquisas de 2024, esse apoio apresenta uma queda considerável. Em 2020, Donald Trump conquistou 36% dos votos latinos, número superior ao predecessor Mitt Romney. Já em março desse ano, segundo uma pesquisa eleitoral, 46% dos eleitores latinos preferiam Trump, número seis pontos maior do que os 40% das intenções para Joe Biden.


Esse cenário desfavorável para Joe Biden serviu como um dos fatores que acarretaram sua desistência da corrida eleitoral. Biden já vinha demonstrando algumas fragilidades que colocavam em cheque a sua posição de liderança desde que assumiu o poder em 2021. Entre gafes, crises mundiais, problemas internos e o fortalecimento da campanha de Donald Trump, a corrida presidencial passou a se tornar cada vez mais acirrada, sendo que o primeiro debate presidencial, considerado um fiasco com referência ao desempenho do presidente, tornou ainda mais débil sua candidatura à reeleição. Paralelamente, a vice-presidente Kamala Harris, desde que se tornou a primeira mulher negra a assumir o cargo conquistado, nunca teve um destaque muito grande na gestão ou por meio de sua atuação no partido democrata propriamente, algo que dificultou a crença de que seu nome poderia ser uma forte aposta para a corrida presidencial. Além disso, ao longo do seu mandato, Harris se envolveu em questões nacionais que fragilizaram muito sua imagem, como é o exemplo de seu trabalho em torno do tema da imigração. Na Casa Branca ela se tornaria a figura responsável por lidar de forma efetiva com toda essa problemática, algo que não aconteceu. Desde 2021, muitos americanos enxergam a imigração como um problema que Harris não foi capaz de solucionar. Nesse cenário, embates políticos já ocorreram, como foi o caso de governos estados republicanos enviarem por ônibus ou avião imigrantes recém-chegados para cidades governadas por democratas, exemplo de Nova York e LosAngeles. Ou seja, a construção da ideia de que existe uma crise interna relacionada à imigração afeta fortemente a imagem de Kamala Harris, especialmente entre os latinos.


Contudo, nos últimos meses a vice-presidente passou a se tornar a principal voz da gestão em outras áreas de extrema importância para o eleitorado, como os direitos reprodutivos e aborto. No final do ano passado, ela anunciou eventos nacionais que teriam temática as liberdades reprodutivas, sinalizado em um pronunciamento: “Vou continuar a lutar por nossas liberdades fundamentais enquanto reúno todos aqueles ao longo dos Estados Unidos que acreditam que toda mulher deveria ter o direito de tomar as decisões sobre seu próprio corpo”. Dentre os latinos, 57% acreditam que o aborto deveria ser legal em todos os casos, segundo pesquisa do Pew Research Center. Segundo pesquisa interna da campanha, 6,7 milhões de latinas moram nos Estados Unidos e, desde que a Suprema Corte derrubou a Roe v. Wade, decisão que autoriza o aborto ao nível federal, 43% das latinas entre 15 a 49 anos moram em estados que restringiram ou tem chances de dificultar o acesso ao aborto. Em um cenário de acirramento dos posicionamentos da Suprema Corte e do Partido Republicano, manter essa defesa é fundamental para garantir o apoio desse eleitorado. Em concomitância, sua primeira propaganda eleitoral contou com a música “Freedom” da cantora Beyoncé, colocando Harris em uma posição muito distante das posições de Donald Trump e consolidando sua candidatura. Contudo, o trabalho para reconquistar os latinos será árduo nos poucos dias que restam de campanha, mas o caminho parece positivo para Kamala Harris.


Como já foi mencionado, as pesquisas de intenção de voto da população latina indicavam uma vitória de Trump com alguns pontos de vantagem sobre Biden, algo que Harris aparenta estar revertendo. Segundo a pesquisa do grupo Somos, uma organização latina, Harris estaria com 55% das intenções de voto em sete estados fundamentais para a corrida: Arizona, Nevada, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Geórgia e Carolina do Norte. Já Trump estaria com 37% das intenções de voto. Vários fatores indicam esse aumento repentino dos votos da população latina, como a renovação na candidatura democrata trazida pela consolidação do nome de Kamala Harris à presidência, em oposição às retóricas impopulares do ex-presidente Trump sobre a população imigrante. Em diversos comícios, ataques foram proferidos com Trump dizendo que os imigrantes estariam “envenenando o sangue do país”.


Há outros temas que preocupam os latinos no país, como a economia (inflação) e o acesso ao sistema de saúde, o que pode explicar a aproximação maior dos latinos a Trump, tendo em vista a tentativa de sua campanha de angariar votos com as temáticas relevantes para a classe média dos Estados Unidos, onde muitos latinos estão inseridos. Por outro lado, Kamala Harris se inseriu como cabeça de chapa na campanha presidencial, redefinindo as táticas que estavam sendo utilizadas até então.


Comparada com Trump e Biden, ela é uma candidata mais comunicativa que aplica iniciativas que buscam trazer de volta grupos que estavam se afastando do partido democrata, como negros, mulheres e os latinos. Em menos de 100 dias de campanha, será uma tarefa árdua recuperar totalmente o apoio de um grupo que se mostrou fundamental para as vitórias recentes dos democratas, mas Harris vem aplicando táticas que já refletiram na reaproximação dos latinos, como o maior contato com organizações hispânicas e a realização de comícios em estados cruciais, como o Arizona. Desta forma, fica evidente a força desse grupo, reconhecido por ambas as campanhas e possivelmente determinante para o resultado eleitoral em novembro deste ano.

Pesquise uma notícia: