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Língua Materna e ‘Espanglês’: Como a língua influencia o eleitorado Latino nas eleições nos Estados Unidos

Greiciele da Silva Ferreira / João Felipe Ronqui de Carvalho | 22/08/2024 17:58 | Análises

Em análises anteriores, já demonstramos a importância das comunidades latinas nos Estados Unidos para as dinâmicas políticas do país. Nas eleições nos Estados Unidos, a comunidade latina representa a maior minoria étnica – ultrapassando os 65 milhões de pessoas depois de ter aumentado em quase 1,2 milhões de residentes desde 2022 –, e sua influência política é cada vez mais evidente. Porém, a diversidade dentro das comunidades latinas vai além de questões de origem nacional ou econômica, abrangendo um aspecto linguístico importante que tende a moldar a identidade e influenciar seu comportamento político.


O fenômeno linguístico "espanglês", uma mistura de espanhol e inglês, não é apenas uma forma de comunicação, mas também uma expressão de identidade cultural e resistência. O estudo desse fenômeno linguístico pode contribuir com a compreensão da influência da língua na identidade, percepção de política e, em última análise, nas preferências eleitorais do indivíduo latino nos Estados Unidos. Além disso, é importante analisar a influência do uso do idioma espanhol nas campanhas políticas em curso para a eleição de novembro sobre o voto latino nos Estados Unidos.


A influência da língua materna para as comunidades latinas – seja ela inglês, espanhol ou a mistura dos dois – recebe esse papel formador e, sem surpresa, esse fator já foi percebido pelos estrategistas políticos, modificando a maneira de comunicação e suas abordagens de forma a alcançar as diversas comunidades latinas nos Estados Unidos. A capacidade de se comunicar em "espanglês" ou de abordar questões importantes em ambas as línguas pode ser um fator determinante para incluir politicamente comunidades que, de outra forma, seriam marginalizadas por um fator tão determinante quanto a linguagem.


Nesta análise, buscamos explorar a influência da linguagem no comportamento eleitoral e atrelar o cultural e identitário ao político e eleitoreiro. À medida que o país se torna cada vez mais multicultural, o papel do "espanglês" e da língua materna na formação das decisões eleitorais dos latinos oferece oportunidade de assinalar ainda melhor a importância das comunidades latinas e aprofundar a discussão política do país.


ESPANGLÊS E O VOTO LATINO

A comunicação em espanhol já é considerada amplamente importante para se conseguir os votos das comunidades latinas que representam cerca de 15% dos eleitores a nível federal, especialmente presentes nos Swing States / Purple States. Porém, o uso do espanglês é crescente, principalmente para as campanhas em redes sociais que têm como alvo principal os eleitores mais jovens e que têm mais contato com o inglês do que as suas gerações anteriores.


Um ótimo exemplo da utilização do espanglês para campanha política e seu objetivo é o vídeo de 15 segundos intitulado “For Us”, que diz: “Mira, cada programa de Joe Biden is for us. Por eso, our bussinesses are growing the fastest in the country. The Student Loan debt está bajando. Por qué? Porque Joe Biden doesn’t fight for los ricos. He fights for us” – sublinhado, palavras e frases em espanhol sendo, o restante das palavras, em inglês. (“Olhe, cada programa do Joe Biden é para nós. Por isso, nossos negócios estão crescendo mais rápido em todo país. A dívida estudantil está baixando. Por quê? Porque Joe Biden não luta pelos ricos. Ele luta por nós”, tradução própria).


A intervenção aborda a dívida estudantil, que é geralmente um assunto muito relacionado aos jovens, de maneira dinâmica, rápida e com estudantes e trabalhadores com grande diversidade e representatividade.

Em outro vídeo de sua campanha, novamente aproxima o candidato Joe Biden ao povo e à classe trabalhadora e afasta o seu oponente, colocando-o como amigo das elites. Utilizando novamente o Spanglish, aponta que o presidente baixou o preço de insulina em 90% “for our abuelos” (“para nossos avós”).


A abordagem de Donald Trump, porém, é diferente. Apesar de já ter produzido campanhas em espanhol, como o vídeo Reconstruyendo (Reconstruindo) que denuncia que Porto Rico foi “abandonado” por Joe Biden, a posição geral de Trump é que não há a necessidade de adaptar a língua e abordagem aos eleitores latinos, já que estes também são americanos e “Nós falamos inglês aqui, nãoespanhol”. Essa posição é ainda mais explícita com a mudança de nome da campanha do candidato para a população latina, que foi trocada de “Latinos for Trump” para “Latino Americans for Trump”. A retórica é que “Africano-americanos, Latino-americanos, Asiático-americanos, Europeu-americanos, de qualquer lugar que vierem, somos todos americanos.”


O USO DO ESPANHOL NAS ELEIÇÕES

Como supracitado, a comunicação em espanhol é primordial para atrair os eleitores latinos, que podem influenciar disputas críticas em estados decisivos, principalmente considerando-se que mais de 15 milhões de lares americanos falam espanhol e pelo menos três milhões desses lares têm “conversação limitada de inglês”, de acordo com a Pesquisa da Comunidade Americana do Census Bureau. E conforme o Pew Research Center, a parcela de latinos que falam apenas espanhol em casa caiu na última década.


Segundo matéria do jornal ElPaís, “[...] o uso do espanhol no Senado disparou em últimos seis anos. Se em 2018 havia 13 senadores que o utilizavam nas suas comunicações digitais com os cidadãos, em 2024 são 47 num total de 100. Tudo isto, apesar de apenas seis senadores serem de ascendência hispânica”.


O relatório “Espanhol na Política dos EUA”, realizado pelo think tank, The Hispanic Council, afirma que no Senado, 77% dos Democratas (37) utilizam o espanhol nas suas comunicações digitais, em comparação com 16% dos Republicanos (8). Segundo o relatório, os senadores que mais se destacam pelo uso do espanhol são Bob Menéndez, democrata por Nova Jersey; Mike Lee, um republicano por Utah; e Patty Murray, uma democrata por Washington. Na Câmara, o número de democratas que usam o espanhol aumentou de 50 para 92 em seis anos e representam agora 43% dos representantes democratas. Entre os republicanos, o número aumentou de 10 para 21. O relatório afirma que os representantes que mais se destacam pelo uso do espanhol nas suas comunicações digitais são Jesús ‘Chuy’ García, um democrata que representa Illinois; Nanette Barragán, democrata pela Califórnia, e Alexandria Ocasio-Cortez, democrata por Nova York.


A campanha de Biden gastou milhões em anúncios e na contratação de pessoal para alcançar os eleitores latinos nesta campanha, segundo a porta-voz Fabiola Rodriguez. O Comitê Nacional Democrata também afirma que fez um investimento de “seis dígitos” em anúncios digitais, impressos e de rádio dirigidos aos latinos, ao mesmo tempo que pagou por mais de 30 outdoors em espanhol nos principais estados do conflito.


“A campanha de Trump também lançou anúncios em espanhol em 2020, mas a campanha atual está tentando alcançar os eleitores latinos de forma mais orgânica e através de substitutos, como o senador Marco Rubio (R-Flórida)”, diz Danielle Alvarez, porta-voz da campanha de Trump, acrescentando que Trump deu entrevistas importantes a estações de televisão de língua espanhola. “Acho que quando as pessoas dizem que deveríamos usar mais espanhol, acho que estão apenas dizendo que precisamos de mais anúncios que falem culturalmente com o público, que entendam que o público quer se sentir incluído”, diz Carlos Odio, cofundador e vice-presidente sênior de pesquisa da Equis Labs, uma organização de bem-estar social que busca aumentar a participação cívica latina.


Abaixo, listamos alguns motivos para o uso do idioma espanhol nas campanhas políticas nos EUA, especialmente as presidenciais deste ano:

  • Acessibilidade e Inclusão:

A acessibilidade à informação é um pilar fundamental da democracia. Para muitos eleitores hispânicos, especialmente aqueles cuja língua materna/primeira língua é o espanhol, receber informações eleitorais em seu idioma nativo é essencial para garantir que possam participar plenamente do processo democrático. Campanhas que utilizam o espanhol em suas comunicações promovem inclusão e garantem que suas mensagens alcancem um público mais amplo e diversificado.


  • Clareza na Comunicação:

Usar o espanhol nas propagandas políticas ajuda a garantir que as mensagens sejam compreendidas de maneira clara e mais precisa, minimizando os riscos de haver mal-entendidos. Isso é especialmente importante em se tratando de discutir políticas complexas ou detalhes técnicos, dado que traduções incorretas ou uma comunicação inadequada podem levar a confusões e desinformação, ou até mesmo à dispersão de fake news, conforme já analisado pelo Latino Observatory.


  • Conexão Cultural e Emocional:

O idioma é um poderoso conector cultural. Ao usar o espanhol, os candidatos e partidos políticos estabelecem uma conexão mais profunda e emocional com os eleitores hispânicos. Essa estratégia não apenas mostra respeito pela cultura e identidade dos eleitores, mas também cria uma sensação de pertencimento e representação. Essa conexão emocional pode ser um fator decisivo na hora do voto.


  • Aumento da Participação Eleitoral:

Campanhas eleitorais que utilizam o espanhol tendem a mobilizar um maior número de eleitores hispânicos, incentivando a participação nas urnas. Quando os eleitores se sentem representados e compreendidos, ficam mais propensos a se envolver no processo eleitoral. Estudos mostram que a presença do espanhol nas campanhas pode aumentar significativamente a taxa de comparecimento entre eleitores hispânicos, um grupo demográfico crucial que muitas vezes decide o resultado das eleições em estados-chave. Além disso, o braço de campanha do Congressional Hispanic Caucus, o CHC BOLD PAC, lançou recentemente o que chama de “Our Lucha War Room”, uma campanha para responder à desinformação nas campanhas, principalmente aquelas de republicanos conservadores. Alex Mahadevan, diretor do MediaWise do Poynter Institute, disse que a quantidade de desinformação dirigida aos eleitores de língua espanhola até agora está quase no mesmo nível da eleição presidencial de 2020, mas ele se preocupa com o uso da IA ​​para manipular ou criar vídeos e áudio falsos desta vez, conforme já analisado pelo Latino Observatory. “Não é que existam necessariamente mais informações enganosas dirigidas aos falantes de espanhol do que aos falantes de inglês, mas sim que as plataformas de redes sociais mais populares entre os latinos têm menos probabilidades de eliminar com sucesso a desinformação em língua espanhola”, diz Mahadevan - dado o fato de que os latinos utilizam-se em números mais elevados o WhatsApp e Youtube, plataformas onde especialistas afirmam que informações enganosas em espanhol têm menos probabilidade de serem interceptadas pelos moderadores. Danielle Alvarez, conselheira sênior da campanha de Trump, disse que os esforços dos democratas mostram que eles têm uma opinião negativa sobre os hispânicos. “A campanha de ‘desinformação’ deles prova que eles não acreditam que somos capazes de discernir o fato da ficção – é nojento e condescendente”, disse Alvarez num e-mail à AxiosLatino.


ELEITORADO LATINO E TÁTICAS DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA

Porém, quando o objetivo é atingir os eleitores latinos, existe um critério para decisão em criar uma propaganda política apenas em espanhol ou em espanglês? Ou, em outras palavras, existem vantagens da utilização de uma em relação à utilização da outra?


É possível argumentar que as propagandas políticas em espanhol têm como objetivo atingir as comunidades latinas de migrantes que não tem domínio da língua inglesa. Nessa situação, o uso do espanglês não seria tão útil. Além disso, cerca de 1 a cada 4 latinos dizem consumir fontes de notícias em espanhol. Portanto, a campanha na língua espanhola traria uma experiência mais fluida ao processo formador de opinião política.


Por outro lado, o uso de espanglês não é tão útil para os latinos que não dominam o inglês, já que utiliza palavras e construções originárias da língua. Portanto, a sua utilização nas campanhas políticas não é focada em um processo de acessibilidade linguística das comunidades latinas, mas sim em um processo de aproximação e criação de pertencimento. Uma mistura linguística que surge de uma assimilação cultural característica de comunidades migrantes.


O fenômeno que permite que o espanglês seja utilizado para essa função de aproximação política é o mesmo que o cria. Os pais e avós dos latinos de segunda geração falam com eles em espanhol, mas eles respondem em inglês. Todos os envolvidos nesses diálogos têm o domínio das duas línguas, mas oscilam em relação a qual tratam como “língua materna”. A utilização de palavras como “abuelo” e “mira”, que apareceram nos exemplos iniciais, são estrategicamente escolhidas para serem em espanhol, de forma a gerar a sensação de familiaridade do eleitor latino com o conteúdo criado, já que parece, para a demografia alvo, um diálogo entre ele e sua família. O objetivo, portanto, é transferir esse sentimento de familiaridade do eleitor ao candidato em campanha.


REPRESENTATIVIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL

Para muitos jovens latinos que cresceram em lares bilíngues nos Estados Unidos, a mistura de línguas é algo semelhante a uma língua materna. E a realidade é que o sistema político dos EUA tem um vocabulário que às vezes pode ser de difícil tradução para o espanhol sem que pareça estranho ou forçado. O espanglês pode ser útil ao tornar muito mais fácil explicar o complexo mundo da política americana, facilitando que as novas gerações expliquem a seus pais ou avós termos que, sem o espanglês, permaneceriam incompreensíveis.


Dada a realidade de diversidade cultural e linguística dos EUA, o uso do espanhol e espanglês nas campanhas eleitorais se torna não apenas relevante, mas, também, estratégico, mostrando-se uma questão de acessibilidade, inclusão e eficácia nas campanhas. Enquanto o espanglês se mostra ferramenta facilitadora da comunicação, o uso do espanhol em anúncios e campanhas políticas não é apenas uma questão de preferência linguística, mas sim de representar e respeitar uma parcela significativa da população americana, promovendo uma democracia inclusiva e representativa.


A Deputada Linda T. Sánchez (D-Calif.), diz que quanto àqueles que podem reclamar que o espanglês não é uma língua real, Sanchez disse que o uso da língua não é para eles entenderem: “Não preciso justificar o uso do espanhol para pessoas que não falam espanhol”, disse ela. “Como estudante de literatura espanhola, a primeira coisa que aprendi foi: se uma população fala uma determinada língua, é uma língua legítima eútil.”. À medida que a população hispânica continua a crescer, espera-se que o papel do espanhol e do espanglês nas eleições se torne ainda mais pronunciado, solidificando sua importância como um elemento central nas campanhas políticas americanas. As campanhas que reconhecem e respondem a essa necessidade estão mais bem posicionadas para ter sucesso em um ambiente eleitoral cada vez mais diversificado.

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