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Imigração e racismo

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 24/04/2022 20:07 | Análises
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Desde que começou a guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a imprensa baseada no Ocidente deu grande destaque à crise humanitária envolvendo a população civil daquele país. Na medida em que as forças russas avançavam rumo a oeste, um enorme contingente de ucranianos se deslocou para a Polônia e outros países da União Europeia. Inúmeras imagens mostravam a recepção calorosa que esses refugiados recebiam na Polônia. Naquele momento, outra ação dos poloneses também chamou a atenção: outros refugiados, de nacionalidade indiana, nigeriana, brasileira, síria, etc. enfrentaram imensas dificuldades para obter a permissão para entrar na Polônia e de lá seguirem para seus países de origem. Essa situação nos remete a 2105, quando ocorreu uma grave crise de refugiados vindos da Síria. Diversos países europeus se recusaram a receber os refugiados. Em muitos casos, as pessoas eram agredidas e confinadas em campos concentração, como ocorreu na Grécia. Imagens de descaso com a vida humana também foram vistas na Ilha de Lampedusa, na Itália, quando pessoas vindas da Líbia e de outras nações africanas eram barradas ou simplesmente deixadas para morrer afogadas no Mar Mediterrâneo.

O drama da crise de refugiados é um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade. As pessoas deixam os seus países não apenas por conta da destruição provocadas por guerras, mas também por perseguições étnicas e religiosas, ações de grupos armados delinquentes e, principalmente, para fugir do desemprego, da miséria e da fome. Em outras análises aqui do Latino Observatory, nós já abordamos o problema da imigração de latino-americanos na fronteira do México com os Estados Unidos, em que centenas de milhares de pessoas vindas do México, Guatemala, El Salvador e Honduras tentam obter asilo.
Recentemente, o tema da imigração voltou a ter destaque na imprensa. De um lado estão os números recordes de detenção na fronteira Sul. De acordo com a Reuters, devido à nova onda de imigrantes, a polícia de fronteira dos Estados Unidos deteve 210.000 imigrantes que tentavam cruzar a fronteira com o México em março, o que representa um aumento de 24% em relação ao mesmo mês de 2021, quando 169.000 migrantes foram capturados na fronteira. Por si só é uma notícia preocupante, tal como abordamos na análise de 09 de abril

De outro lado, temos notícias do aumento da migração de refugiados fugindo da guerra na Ucrânia, mas que essas pessoas não estão encontrando muitas dificuldades para adentrar em território estadunidense. De acordo com a AFP, enquanto os latinos aguardam em acampamentos no lado mexicano para tentar obter refúgio, os ucranianos estão recebendo um tratamento preferencial nas autoridades migratórias. Diante da dificuldade de se obter um visto prévio para poderem entrar nos EUA por aeroportos, muitas pessoas voam até Tijuana e de lá partem para os Estados Unidos. No entanto, mesmo que sejam presos ao atravessar a fronteira sem documentos, eles são rapidamente liberados. Ainda segundo a APF: “A grande rede de voluntários ucranianos que se instalou em Tijuana e em sua vizinha americana San Ysidro afirma que, em média, os recém-chegados esperam entre dois e três dias antes de atravessar a entrada oeste, destinada apenas para eles.”

De acordo com o The Washington Post, de 19 de abril, “Muitos, se não a maioria, dos ucranianos foram libertados nos Estados Unidos por meio de liberdade condicional humanitária, que permite que as pessoas permaneçam temporariamente; e continuaram chegando este mês, embora dados atualizados não estivessem disponíveis. O governo Biden respondeu ao influxo na segunda-feira (18 de abril) anunciando que estenderia a elegibilidade dos ucranianos para o ‘status de proteção temporária’, permitindo que eles ficassem aqui por 18 meses e solicitassem permissões de trabalho, se chegassem até 11 de abril.”

Esta situação tem causado protesto dos imigrantes latinos que também passam por situações difíceis em seus países e buscam uma vida nova nos Estados Unidos, principalmente por conta da violência patrocinada por grupos criminosos. A título de exemplo, em determinadas comunidades do norte do México, Guatemala, El Salvador e Honduras, as taxas de homicídios são superiores a países com guerras civis declaradas. Veja-se a situação em Donbass, na Ucrânia: entre 2014 e 2021, foram contabilizadas cerca de 14 mil mortes por conta da guerra. Apenas em El Salvador, no mesmo período, foram registrados 24.698 assassinatos. Vale ressaltar que a Ucrânia possui uma população de 44 milhões, enquanto que o pequeno país centro-americano possui apenas 6,5 milhões de pessoas.

O tratamento privilegiado aos ucranianos pode ser visto de duas formas. Numa perspectiva, é uma ajuda de um aliado do governo ucraniano que enfrenta as consequências da invasão de um país estrangeiro. Vale lembrar que os Estados Unidos lideram a OTAN, cuja expansão no sentido da fronteira da Rússia foi um dos motivos alegados para a intervenção militar russa na Ucrânia. Adicionalmente, os Estados Unidos estão na linha de frente das sanções impostas ao governo de Vladimir Putin e apoiam o envio de armamentos para o governo de Kiev. Em tese, seria uma compensação humanitária a um povo amigo.

Noutra perspectiva, podemos identificar o racismo da sociedade estadunidense, que desde o século XIX tem criado restrições para a imigração, principalmente das raças ditas “de cor”. Num primeiro momento, restringiram a imigração de católicos do Sul da Europa. Posteriormente, a imigração de eslavos. Mais adiante, a imigração de asiáticos, islâmicos, indianos, mexicanos, etc. A preocupação central das elites dos Estados Unidos era a de manter a homogeneidade étnica do país, no caso das pessoas de matriz “caucasiana”. As leis de imigração marcadamente racistas foram substituídas pela Immigration and Nationality Act, de 1965, sancionada pelo presidente Lyndon Johnson em meio às massivas manifestações em defesa do direito civil das minorias, notadamente dos afro-americanos. Pela lei, pelo menos do ponto de vista formal, foram abolidas as restrições relacionadas à raça na admissão de imigrantes.

É interessante notar que por mais que hajam medidas restritivas, a população de imigrantes no país, especialmente de latinos, está modificando o panorama racial e étnico nos Estados Unidos. Vale lembrar que este grupo responde por 20% da população e possui uma taxa de fertilidade maior do os demais. Além disso, enquanto 210 mil pessoas foram barradas na fronteira apenas no mês de março de 2022, cabe perguntar: quantas outras não conseguiram ingressar e vivem no país de forma ilegal?

É importante notar que o tratamento discricionário das autoridades de imigração é a regra, não a exceção. Apesar dos discursos com um tom mais humanista dos líderes do Partido Democrata, as imagens de guardas montados em cavalos reprimindo imigrantes haitianos mostram a dificuldade de unir intenções e atos. Em contraste, a facilitação do ingresso de ucranianos, de origem étnica eslava, mas de matriz caucasiana, mostram que ainda a questão racial é um problema de difícil solução na sociedade estadunidense e que apenas leis não bastam para reverter uma postura cultural muito enraizada.

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