Rua Hygino Muzy Filho, 737, MARÍLIA - SP contato@latinoobservatory.org
IMG-LOGO
Início / Notícias

Notícias

A inflação nos Estados Unidos e seu impacto na vida das populações de Latinos e Negros

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 13/08/2022 19:55 | Análises
IMG https://pxhere.com/pt/photo/669878?utm_content=shareClip&utm_medium=referral&utm_source=pxhere

No dia 10 de agosto, o Bureau of Labor Statistics (BLS) do Departamento de Trabalho divulgou o IPC de julho que mede a variação da inflação dos Estados Unidos. Não houve variação na média dos preços. Com isso, a inflação anualizada ficou em 8,5%. Para o mês anterior, o índice atingiu 9,1%, marcando o maior índice desde o começo da década de 1980. 

O principal fator que explica o recuo da inflação é a queda nos preços da energia. De acordo com o BLS, “o índice de energia caiu 4,6% em julho, depois de subir 7,5% em junho. O índice da gasolina caiu 7,7% no mês após um aumento de 11,2% em junho. (Antes do ajuste sazonal, os preços da gasolina caíram 7,7% em julho.) O índice do gás natural caiu em julho após forte aumentos recentes, caindo 3,6%. No entanto, o índice de eletricidade aumentou em julho, subindo 1,6%, seu terceiro aumento mensal consecutivo de pelo menos 1,3%. O índice de energia subiu 32,9% nos últimos 12 meses. O índice de gasolina aumentou 44,0% no período e o índice de óleo combustível subiu 75,6%. O índice de eletricidade subiu 15,2%, o maior aumento em 12 meses desde o período encerrado em fevereiro de 2006. O índice de gás aumentou 30,5% nos últimos 12 meses.”

No entanto, outros preços bastante sensíveis para a classe de trabalhadores assalariados continuaram a subir, particularmente alimentos e habitação. O índice de alimentos aumentou 1,1% em julho. A alimentação em casa subiu 1,3%, uma vez que todos os seis principais índices de grupos de alimentos de supermercados aumentaram. Já a alimentação fora de casa subiu 0,7 por cento em julho. Já o índice que mede os gastos com moradia, apresentou uma elevação de 0,5% no mês, ainda de acordo com o BLS. Alimentos e habitação fazem parte do núcleo principal do índice de preços. Especificamente o custo de moradia, como os pagamentos de hipoteca ou aluguel costumam ser a maior despesa mensal de uma família. A habitação representa cerca de um terço do IPC.

A melhora no indicador de inflação trouxe alívio para o mercado financeiro, que estava preocupado com o fato de que os aumentos das taxas de juros ainda não se refletiram no mercado de trabalho, vista que a demanda por empregados continua forte. Em junho, o Federal Reserve (FED) iniciou a maior subida das taxas de juros desde 1980. Frente a essa diminuição do IPC, de acordo com a CNN, “as expectativas de que o Fed irá mais uma vez aumentar sua taxa básica de juros em 75 pontos base em sua próxima reunião de política monetária caíram desde que os dados de inflação de quarta-feira foram divulgados. Mais analistas agora esperam que o banco central aumente as taxas em apenas 50 pontos-base.”

A inflação, os Latinos e os Negros
O aumento da inflação tem pesado de forma significativa na renda dos assalariados. Em média, os salários subiram 5,7% na taxa anualizada de julho, frente à inflação de 8,5%. Em junho a situação foi pior. Considerando que a pobreza é particularmente concentrada nas populações de origem latina e de afro-americanos, os piores efeitos da alta de preços recaem de forma mais acentuada nesses segmentos. 

Para exemplificar as dificuldades da classe trabalhadora, vale a pena citar a situação de Penelope Valdespino, que trocou de o emprego no setor varejista para um cargo mais bem remunerado no distrito escolar de San Antonio, Texas. Seu salário maior é rapidamente devorado pelo constante aumento dos preços. Em entrevista para o NPR, ela afirmou “finalmente mudei para um emprego diferente, onde sim, vou receber US$ 3 ou US$ 4 a mais por hora. Isso é incrível, mas recuperar o atraso e manter tudo em ordem ainda é um desafio neste clima agora. Estamos sendo muito cuidadosos com a quantidade de carne que compramos". Ainda segundo a NPR, “Valdespino saúda a queda nos preços da gasolina, mas diz que ainda tem o cuidado de limitar viagens desnecessárias de carro. E ela está cuidando de seus centavos no supermercado, onde os preços aumentaram 13,1% em relação ao ano anterior.”

Uma pesquisa nacional organizada pela NPR, Robert Wood Johnson Foundation e pela Harvard TH Chan School of Public Health mostrou que os maiores receios das populações nativas, latinas e afro-americanas decorrentes da alta de preços são o medo de serem despejadas de suas casas, as dificuldades para comprar alimentos e a falta e assistência médica adequada

A pesquisa inclui dados dos cinco maiores grupos raciais e étnicos dos EUA. Ao todo, mais de 4.100 adultos foram entrevistados entre meados de maio e meados de junho de 2022. De acordo com a NPR, “Os dados ressaltam que as minorias raciais e étnicas estão tendo dificuldades em comparação com seus pares brancos em algumas esferas-chave da vida americana, particularmente com finanças, moradia acessível, alimentação, segurança no bairro, educação e assistência médica.” A seguir iremos ressaltar os principais problemas detectados pela pesquisa.

Problemas financeiros
De acordo com a pesquisa, é preciso considerar que as populações que apresentaram os piores indicadores são aquelas que historicamente já apresentavam disparidade com relação às condições médias dos cidadãos estadunidenses. No entanto, a soma dos efeitos da pandemia de Covid-19 e do aumento da inflação agravou a vulnerabilidade. De acordo com Robert J. Blendon, codiretor da pesquisa. e professor emérito da Harvard TH Chan School, "Há muitos anos estamos analisando as disparidades, mas as necessidades agudas nos pegaram um pouco desprevenidos. Neste período em que todos sofremos com a inflação, as pessoas correm alto risco de ficarem sem-teto ou de não conseguirem alimentar suas famílias”.

Especificamente no que tange aos problemas financeiros, a pesquisa descobriu que 55% dos negros e 48% dos latinos adultos dizem que estão enfrentando sérios problemas financeiros. Para adultos brancos, o índice é 38%. 

Os problemas financeiros geralmente significam que as pessoas têm dificuldade para manter em dia a fatura de seus cartões de crédito ou empréstimos ou enfrentam outros problemas sérios. Nesse aspecto, mais de 40% dos adultos negros e nativos americanos, e 36% dos latinos se encaixam nessa situação.

A maioria das famílias negras e latinas dizem que não têm economias de emergência para cobrir pelo menos um mês de despesas. Adultos brancos também são mais propensos a receber apoio financeiro significativo de parentes mais velhos – ajuda que geralmente não está disponível para minorias raciais e étnicas. Neste aspecto, apenas 14% dos adultos negros e 16% dos adultos latinos dizem que já receberam presentes ou empréstimos no valor de US$ 10.000 ou mais de pais ou parentes mais velhos. Isso nos induz a pensar sobre a ausência de redes familiares de proteção, pois as outras pessoas da família podem também enfrentar situação similar, ou, no caso de imigrantes recém-chegados, eles contam com poucas pessoas para seu apoio.

Medo do despejo
Conforme afirmamos, as despesas de moradia chegam a absorver quase a metade da renda das famílias mais pobres. De acordo com o estudo, em todos os grupos, mais de 60% dos adultos dizem que a falta de moradias acessíveis disponíveis para compra é um problema sério em seus bairros. Os números não são tão diferentes para casas de aluguel a preços acessíveis. Mas quando se trata especificamente de despejos, o fardo recai pesadamente sobre os locatários negros: 16% dizem que foram despejados ou ameaçados de despejo, enquanto 9% dos locatários brancos entrevistados relataram experiências semelhantes.

Dinheiro para comprar alimentos
Conforme afirmamos, a elevada inflação sobre o preço dos alimentos está entre as maiores preocupações dos estadunidenses. Porém o problema afeta de maneira distinta cada grupo étnico. Cerca de um terço dos adultos negros e latinos dizem que estão tendo sérios problemas para comprar comida, em comparação com 21% dos adultos brancos. É mais alto para os nativos americanos: quase 40% estão lutando para colocar comida na mesa.

Geralmente, a pesquisa não encontrou as mesmas disparidades entre asiáticos e adultos brancos como encontrou entre negros, latinos e nativos americanos. No entanto, quando apenas asiáticos de baixa renda foram incluídos – pessoas que ganham menos de US$ 50.000 por ano – 46% disseram estar enfrentando sérios problemas financeiros. Em específico, quase um terço dessa subpopulação teve sérios problemas para pagar o aluguel ou hipoteca e 28% tiveram sérios problemas para comprar comida. Cerca de metade diz que a falta de bons empregos é um problema sério em sua comunidade.

Segurança no bairro
Quando os americanos pensam em suas comunidades o problema da segurança se destaca. O crime de bairro é uma preocupação em todos os grupos raciais e étnicos, mas é particularmente pronunciada em comunidades minoritárias. É importante notar que mais de um terço dos adultos negros, latinos e nativos americanos dizem que o crime é atualmente um problema sério em seus próprios bairros. É importante considerar que as comunidades mais pobres apresentam problemas relacionados ao desemprego, subemprego, gravidez na adolescência, escolas pouco aparelhadas, poucos espaços de cultura e esporte e o déficit de infraestrutura. A isso se junta o consumo de entorpecentes e a violência de gangues. 

Educação
Apesar dos problemas financeiros, a pesquisa sugere que muitas famílias ainda têm aspirações para o futuro de seus filhos, pois a esmagadora maioria das famílias com filhos menores de 18 anos acredita que seus filhos se formarão na faculdade. É mais de 80% para cada grupo pesquisado.

No entanto, existem diferenças que surgem dos dados sobre como os pais veem as escolas K-12 (ensino fundamental e médio no Brasil) que seus filhos frequentam. Cerca de um terço dos pais negros de crianças em idade escolar classificam a qualidade da educação em suas escolas como apenas regular ou ruim. Isso é comparado a 24% para brancos e 22% para famílias latinas. De acordo com Robert Blendon: “Existem muitas pesquisas e estudos que mostram que, por causa do COVID, as escolas fecharam e crianças de todas as raças estão realmente atrasadas educacionalmente. O que nossa descoberta mostra é que, à medida que as crianças voltaram, um número substancialmente maior de pais negros está dizendo que as escolas de seus filhos não estão fazendo um bom trabalho”.

Assistência médica
O fato de não existir um sistema público de saúde nos Estados Unidos é uma carência que aflige amplos segmentos sociais. Isso ficou evidente com o maior percentual de mortes por Covid-19 entre os grupos minoritários. A pesquisa da NPR, Robert Wood Johnson Foundation e pela Harvard TH Chan School of Public Health mostra que o alto custo dos cuidados de saúde nos EUA está sobrecarregando os orçamentos familiares. Mais de 20% dos adultos negros e nativos americanos dizem que pagar assistência médica ou medicamentos prescritos é um problema sério para eles.

A pandemia do COVID-19 interrompeu profundamente os cuidados de saúde e deixou muitos americanos mais doentes. Os cuidados de saúde de rotina foram interrompidos e as doenças crônicas muitas vezes não foram gerenciadas. Embora o pior da pandemia tenha diminuído para o sistema de saúde, os atrasos no atendimento médico persistem para alguns grupos. Entre os lares dos EUA onde alguém esteve gravemente doente, 24% dos negros, 18% dos latinos e 18% dos lares brancos dizem que não conseguiram obter assistência médica para doenças graves quando precisaram no ano passado. É ainda maior, 35%, para os nativos americanos.

Conforme podemos apreender, a pesquisa traz um panorama muito preocupante para os segmentos mais pobres das minorias raciais dos latinos/hispânicos, afro-americanos e nativos americanos, principalmente por conta da inflação que corrói o poder de compra das famílias. É incerto afirmar que a inflação arrefeceu. Um único dado de uma série não permite concluir sobre a projeção de um indicador. No entanto, se a situação social continua ruim para importantes segmentos, o que se pode pensar se as políticas recessivas do FED surtirem efeito em frear a demanda e o índice de desemprego aumentar de forma substancial? Sabe-se que os segmentos mais bem escolarizados se saem melhor no contexto de crise do que os trabalhadores menos qualificados, pois esses são os primeiros a sofrer com a queda na demanda, notadamente no setor de serviços pessoais, que empregam um grande contingente de latinos e afro-americanos.
 
O impacto disso nas próximas eleições de meio de mando será significativo, pois isso impacta negativamente a aprovação de Joe BIden. Nesse sentido, vale recordar a frase de James Carville, assessor da eleição de Bill Clinton em 1992: “é a economia, estúpido!” 

Pesquise uma notícia: