Esta é a primeira vez que o Latino Observatory aborda a presença da comunidade de brasileiros nos Estados Unidos. A partir de agora este tema passará a ser objeto de nosso interesse, pois apesar de os brasileiros falarem português, muitas das características da comunidade se assemelham com os demais grupos de latinos no país. Além disso, de forma geral, vale ressaltar que os estadunidenses de origem anglo-saxônica não distinguem as diferentes nacionalidades que tem origem ao sul do Rio Grande: para eles, todos somos hispânicos ou latinos.
Acerca da conjuntura atual, destaca-se a coincidência dos processos eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos. No Brasil, teremos o segundo turno das eleições gerais marcado para 30 de outubro. Nos EUA, as eleições de meio de mandato irão ocorreu em 8 de novembro. Por elas, a população irá escolher todos os deputados federais, um terço dos senadores, deputados estaduais, senadores estaduais, alguns governadores estaduais e também alguns prefeitos.
A polarização é um traço comum entre as duas eleições, principalmente pela utilização redes sociais na disseminação das chamadas fake news e na formação de “bolhas de opinião” quase intransponíveis para opiniões divergentes. As redes ligadas a grupos conservadores e de extrema-direita se notabilizam pela difusão de teorias conspiratórias, como a Q-Anon e a Grande Substituição, entre outras, que abordamos em nosso Latino Observatory. Também nesse aspecto, nós também discutimos como as comunidades latinas são alvo de uma massiva campanha de “fake news" organizada por alas radicais do Partido Republicano. É interessante notar que muitas das notícias falsas que circulam no Brasil têm como matriz a máquina política dos republicanos. Nesse aspecto, a comunidade de brasileiros nos Estados Unidos está submetida a um mesmo tipo de (des) informação que impacta na sua posição política, como o medo da “ideologia de gênero”, do fechamento de igrejas, contra o direito de aborto, do comunismo e de ameaças às liberdades individuais.
No
contexto das duas eleições, abordaremos em primeiro lugar a participação da
comunidade brasileira nos Estados Unidos com relação ao primeiro turno da
eleição presidencial brasileira. Posteriormente, discutiremos a participação de
candidatos brasileiros nas eleições estadunidenses de meio de mandato,
especificamente no estado de Massachussetts, estado que concentra a segunda
maior população de imigrantes brasileiros, em que quatro deles disputam
assentos para a Assembleia Legislativa estadual.
A
eleição brasileira nos Estados Unidos
De forma geral, os eleitores brasileiros que moram nos Estados Unidos se mostraram muito empenhados com as eleições presidenciais no primeiro turno, fazendo filas imensas nos pontos de votação que chegaram a demorar mais de 4 horas. Muitos eleitores contaram com o apoio de grupos religiosos que contrataram ônibus para levar eleitores, principalmente na Flórida, o maior colégio eleitoral nos EUA, prática que é proibida pelo Justiça eleitoral.
Dos mais de 50 mil eleitores que votaram nos EUA, mais de 37 mil votaram no atual presidente Jair Bolsonaro contra apenas 17 mil de Lula. As comunidades brasileiras vivendo em Miami e Nova York votaram usando camisetas verdes e amarelas enquanto entoavam o hino brasileira, em um claro simbolismo de patriotismo. Bolsonaro venceu Lula em todos os colégios eleitorais mais expressivos dos EUA. Em Miami, no maior deles, teve 74,3% dos votos, contra 16,2% do ex-presidente; Boston registrou 69,9% a 23%. Em Nova York, Bolsonaro venceu com 46,3%, contra 42,9% do petista. Vale destacar que a comunidade brasileira não é homogênea. As comunidades de Los Angeles, Washington e São Francisco deram vitórias ao ex-presidente Lula. Assim, considerar o espaço onde as comunidades estão localizadas também é de grande importância, pois essas três grandes cidades americanas são tradicionalmente democratas e progressistas. Boston também se encaixa nesse rótulo, mas lá ganhou Bolsonaro.
Vale destacar que mesmo antes das eleições, a comunidade brasileira deixava claro seu apoio massivo ao presidente. De acordo com o jornal Brazilian Times, no dia 7 de setembro, quando é comemorada a independência brasileira, grupos de direita conservadora nos Estados Unidos organizaram atos em apoio ao presidente em pelo menos nove estados norte-americanos. Três grupos principais podem ser citados: Yes Brazil (Flórida), CCB-USA e Zap Bolsonaro de Boston (Massachusetts).
Outro evento marcante de apoio a Bolsonaro ocorreu em junho, a realização do 1º Congresso Conservador Brasileiro da Flórida, organizado pelo Yes Brazil, conforme noticiado pelo portal Poder360 (https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-vai-a-orlando-em-data-de-evento-com-allan-dos-santos/). O evento contou com importantes lideranças políticas, como o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro e do blogueiro foragido do Brasil, Alan dos Santos. A realização desses eventos demonstra a organização dos grupos da direita conservadora nas comunidades de brasileiros.
Outra
questão está na concentração da comunidade brasileira na Flórida, que abriga
não apenas os imigrantes que buscam melhores condições econômicas, mas também
muitos empresários que possuem residência e negócios no estado. A Flórida
também abriga uma grande população de origem cubana, caracterizada pelo
ativismo anticomunista, que possui muita influência política na sociedade
local. O estado que antes era considerado um “swing state” se voltou
majoritariamente para o campo republicano. O atual governador do estado, Ron
DeSantis, disputa com Donald Trump a indicação para a presidência nas eleições
de 2024.
Os
brasileiros e as eleições estadunidenses
No estado que abriga a segunda maior comunidade de brasileiros, é interessante notar a participação de três brasileiros que disputaram as eleições para a Assembleia Legislativa de Massachussetts: Priscila Sousa, Dan Sena e Rita Mendes. Carlos da Silva disputa uma das vagas de Conselheiro do Condado de Plymouth. Um aspecto interessante: todos eles ganharam as primárias do Partido Democrata. Considerando que o estado é majoritariamente democrata, as chances de vitória dos quatro são muito grandes.
Priscila Sousa concorrerá pelo 6º Distrito de Middlesex. Ela nasceu na cidade de Ipatinga, no estado de Minas Gerais, e foi para os Estados Unidos com seus pais quando tinha sete anos. Priscila tem um histórico de ativismo comunitário. Foi presidente do Comitê Escolar da sua região, se tornando a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Por conta disso, a educação é a principal bandeira sua candidatura. Ela apoia construção de novas escolas na região em que vive e o aumento do financiamento escolar. Ao acessar o seu website de campanha, chama a atenção, dentre outros apoios, o aval da AFL-CIO estadual, a grande centralsindical dos Estados Unidos. “Estamos orgulhosos de apoiar candidatos que demonstraram um compromisso com os valores e princípios do Movimento Trabalhista”, disse Steven Tolman, presidente da Massachusetts AFL-CIO.
Danillo “Dan” Sena busca a reeleição para o 37º Distrito de Middlesex. Ele foi eleito em uma eleição especial em 2 de junho de 2020, contra a republicana Cathy Clark. Ele é um dos primeiros “dreamers” a se eleger nos Estados Unidos. Ele veio de uma família simples e lutou para conseguir atingir o “sonho americano”. Destaca-se que Sena é casado com a refugiada do Camboja Melinda Yim, conforme informa o seu website. Esses traços de sua vida pessoal trazem a sua campanha uma defesa dos imigrantes, da justiça racial e da educação. Além disso, ele também já esteve em outras posições da vida política americana, trabalhando no escritório do senador Eldridge como estagiário, co-patrocinando vários projetos de lei importantes e compondo o grupo Massachusetts Black and Latino Legislative Caucus — uma importante organização para levar negros e latinos ao legislativo de Massachusetts.
Assim como Dan Sena, Rita Mendes é advogada e corretora de imóveis. Foi para os Estados Unidos com 12 anos e conseguiu, mesmo sem falar inglês ao chegar, e conseguiu se formar na faculdade. Por isso, faz uma defesa clara da educação para garantir as outras pessoas as oportunidades necessárias para alcançar aquilo que pretendem. Rita Mendes está concorrendo à eleição para a Câmara dos Representantes de Massachusetts para representar o 11º Distrito de Plymouth pelo Partido Democrata. Seu slogan de sua campanha ressalta o fato de que ela é “Uma mãe, não uma política”. Em 2019, Rita foi eleita para o Conselho Municipal de Brockton e é a primeira autoridade eleita brasileira-americana da cidade.
De maneira semelhante, Carlos da Silva também já possui um histórico de atividade política. De acordo com seu website, ele atua em áreas do Partido Democrata há mais de 30 anos e em vários cargos diferentes. Ele é membro do Comitê Estadual do Partido Democrata e ex-presidente dos Comitês Democratas em Quincy e Hingham. Carlos é Auditor do Estado na Secretaria Executiva do Trabalho e Desenvolvimento da Força de Trabalho e atua nessa função há 12 anos. Ele também é um dos representantes da União e atualmente atua no Comitê Escolar de Hingham agora em seu segundo mandato. Durante seu tempo no Comitê Escolar de Hingham, ele adquiriu uma imensa quantidade de conhecimento sobre a necessidade de garantir financiamento para nossa comunidade.
É interessante notar que, num estado em que as propostas progressistas como o apoio aos imigrantes, a defesa do meio ambiente, das energias renováveis e da justiça étnica, o presidente Jair Bolsonaro tenha ganhado as eleições presidenciais por grande margem contra Lula, que claramente defende essas pautas. Uma pesquisa realizada pelo Ideia Big Data a pedido da revista ÉPOCA, em 2018, apontava que 85% dos brasileiros acreditam que as políticas dos republicanos não foram boas, mas essa mesma comunidade que deu vitória a Jair Bolsonaro em 2018 e em 2022. Apesar de o atual presidente brasileiro ter demonstrado em mais de um episódio uma grande admiração pelo ex-presidente norte-americano, os brasileiros que vivem nos Estados Unidos não associavam as políticas dos dois como parecidas. A mesma pesquisa aponta que mais de 63% dos brasileiros não veem semelhança entre esses políticos.
Por
fim, cabe constatar que os brasileiros com direito a voto nos Estados Unidos se
encontram em situação legal no país. Isso indica que em comparação com aqueles
que vivem indocumentados, possuem um melhor nível de vida e estão adaptados à
sociedade estadunidense. Excetuando aqueles que já possuíam posses no Brasil
antes de migrarem, principalmente para a Flórida, os migrantes da classe
trabalhadora, quando comparados com seus familiares que se encontram no Brasil,
ostentam um nível de vida mais confortável, associando o seu sucesso pessoal
aos próprios méritos, algo o que os leva a criar uma consciência social próxima
da classe média. A isso se acrescenta o papel das mídias sociais, pois grande
parte dessa população se vincula com seus familiares no Brasil por meio do Whatsapp,
Facebook ou Instagram. As fake news difundidas por aqui
certamente chegam aos Estados Unidos com a mesma velocidade. Se observarmos as
intenções de voto no Brasil, são justamente os setores que se consideram de
classe média aqueles que mais fortemente apoiam a candidatura de Bolsonaro à
reeleição. Aparentemente, eles têm medo de perder o pouco que possuem.