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Super fábrica da Tesla em Monterrey, México: Nearshoring, vantagens econômicas e consequências para as comunidades

JOÃO FELIPE RONQUI DE CARVALHO | 02/04/2023 20:33 | Análises
IMG Foto: Ivan Radic - https://www.flickr.com/photos/26344495@N05/40865038103/

1 - Offshoring, Reshoring, Backshoring e Nearshoring.

No final do século XX, especialmente nos anos de Guerra Fria, o capitalismo global passou por uma rápida aceleração. Novos sistemas de produção foram criados, nos quais os países se abriram para o capitalismo mundial em larga escala. As empresas interessadas em maximizar seus lucros, escolheram posições geográficas estratégicas e criaram cadeias de produção globais. No entanto, a partir da década de 2010, a produção internacional desacelerou, apresentando um crescimento baixo no comércio e no investimento estrangeiro direto (FDI, em inglês).


Isso pode ser atribuído a várias mudanças no contexto global, como o aumento dos custos de mão de obra em locais antes considerados baratos, o aumento da incerteza no cenário internacional e do protecionismo, além da guerra comercial crescente entre Estados Unidos e China. Além disso, por conta de eventos mais recentes – sendo eles a pandemia do vírus Covid-19 e a incerteza geopolítica expressa, principalmente, com a Guerra Russo-Ucraniana – houve o atraso e a incerteza da produção de diversas mercadorias, assim como atrasos nas entregas, e dificuldades no transporte marítimo, ou seja, fatores adicionais que desaceleraram ainda mais as práticas de produção global.


Devido a essas mudanças, as empresas foram forçadas a reconsiderar suas práticas de offshoring, a prática de uma organização em prestar serviços ou fornecer produtos a partir de pontos em diferentes territórios, por meio da terceirização ou pela criação de novas operações em outros países, o que levou a um ressurgimento de estratégias de reshoring, sendo elas “backshoring”, quando certos aspectos da cadeia de produção local são restaurados, ou “nearshoring”, na qual produção é trazida de volta para o país de origem ou para locais próximos. Um exemplo de bachshoring seria quando uma empresa estadunidense que produz peças de roupa decidiu criar uma cadeia produtiva na China no final do século XX, por conta de um excedente populacional e baixos custos de mão de obra e, mediante as mudanças discutidas, retorna a produção aos Estados Unidos. No mesmo cenário, se a produção é transferida para o México, país fronteiriço, trata-se de um nearshoring.


Na presente análise, exploraremos as ideias dessa retomada das cadeias produtivas, particularmente a tendência de nearshoring, de empresas estadunidenses rumo ao México e o impacto para a sociedade do país e para a comunidade local, especialmente em regiões fronteiriças.


Para as nações em desenvolvimento, assim como o México ou outras nações latinas, que contam com investimentos estrangeiros como uma fonte relevante de capital, as práticas de nearshoring se apresentam com uma possibilidade a ser explorada. O local e a construção de uma cadeia de produção transnacional já foram amplamente estudados pelo ponto de vista das empresas, como forma de maximização do lucro, por parte dos acadêmicos da área de negócios (leia-se business scholars, administração, gestão empresarial etc.) Contudo, atrair o nearshoring e obter seus benefícios se revelam obstáculos complexos para muitos desses países, portanto devem ser observados também pelo ponto de vista da comunidade que “recebe” essa empresa.


2 - O Nearshoring no México.

A Frontier Industrial & Logistics Real State, uma empresa que compra, desenvolve e gerencia propriedades industriais no México, é um exemplo da expectativa do setor privado de base mexicana em fomentar o nearshoring de empresas para o país. Em seu site propõem 10 razões pelas quais o nearshoring para o México é o mais rentável. Entre elas, o comércio estabelecido pelo “Acordo Estados Unidos-México-Canadá” (USMCA, sigla no inglês), que mantém regras claras entre todos os produtos entre os países da América do Norte, com taxas reduzidas ou ausência de taxas; preços de mão de obra competitivos em relação a Ásia, particularmente com a China, desde 2008; um fuso-horário similar ao dos EUA; a distância favorável ao envio de itens, que deixa mais barato e rápido, entre outros motivos.


Já no setor público, a Secretaria de Fazenda e Crédito Público do México divulgou o Comunicado nº 10, em 15 de fevereiro de 2023, no qual o Secretário Rogelio Ramírez de la O apresenta os programas financeiros institucionais da Nacional Financiera e do Banco Nacional de Comércio Exterior. O Secretário destacou que o nearshoring representa a oportunidade de impulsionar a exportação, o investimento produtivo, a geração de empregos e a melhoria dos níveis de vida da população. Ele afirmou que esse é um momento-chave para diversificar a indústria e identificar setores e regiões para apoiar a cadeia produtiva e ativar com sucesso o investimento produtivo. Ramírez de la O ressaltou a necessidade de revisar as políticas públicas e privadas para potencializar a capacidade de inovação e tecnologia, a formação e capacitação de recursos humanos, a localização de novos parques industriais e o apoio às pequenas e médias empresas.


Além disso, o Secretário pontuou que os fundamentos macroeconômicos do México são sólidos. Ele destacou que a atividade econômica cresceu 3% em 2022, e estima-se um crescimento acima de 3% em 2023. A demanda interna continua com alto dinamismo, favorecida pelo consumo e investimento bruto. Em 2022, foram criados mais de dois milhões de postos de trabalho, enquanto a taxa de desemprego atingiu níveis historicamente baixos. O valor das exportações expandiu-se quase 17% no ano passado, com destaque para as manufaturas não automotivas e as petrolíferas. Ramírez de la O destacou a necessidade de avançar e abrir diálogos e propostas com exportadores, fornecedores, pequenas e médias empresas e intermediários financeiros.


Segundo noticiado no dia 2 de março pela CNN Business a próxima fábrica de montagem de veículos da Tesla será construída no México, perto de Monterrey. Durante um evento para investidores, o CEO Elon Musk anunciou a novidade, afirmando que a produção continuará a ser expandida em todas as fábricas existentes. Ele esclareceu que essa nova fábrica não substituirá nenhuma das outras, mas será uma produção adicional para alcançar a meta de fabricar 20 milhões de carros por ano. Embora a Tesla não tenha comentado sobre o custo da nova planta, a Reuters informou que os oficiais mexicanos afirmaram que poderia custar cerca de US$ 1 bilhão. A confirmação dos planos para a construção da fábrica no México foi feita pelo presidente Andres Manuel Lopez Obrador, na terça-feira, antes do anúncio oficial da Tesla.


A construção dessa nova fábrica da Tesla no México é um claro efeito da política de propaganda pelo nearshoring. O México já é o lar de várias fábricas de montagem de automóveis de várias marcas, incluindo General Motors, Ford, Toyota, Honda, Volkswagen, Audi, Mazda, Mercedes, Kia e BMW. De acordo com a US TradeAdministration antes da pandemia as fábricas mexicanas estavam produzindo cerca de 4 milhões de carros por ano, com 90% desses carros sendo exportados, sendo 76% destinados aos Estados Unidos. Com a nova fábrica da Tesla, a produção no México será ainda mais ampliada, o que é uma boa notícia para a economia local e para a indústria automobilística como um todo.           

 

3 - Mão de obra desvalorizada, direitos trabalhistas e impactos para as comunidades locais.

Conquanto a prática de nearshoring ao México possa parecer algo exclusivamente vantajoso para a sociedade mexicana, pois gerará empregos e movimentará a economia, há de se atentar para um dos principais motivos pelos quais as empresas se interessam em mudar sua cadeia de produção: a mão de obra barata ou desvalorizada.


O aumento do valor de mão de obra tem sido parte dos planos quinquenais chineses. Com sucesso, o preço da mão de obra de fabricação subiu aproximadamente 40% desde 2010. Paralelamente, caso os funcionários mexicanos reivindiquem mais direitos ou o aumento de seus salários através da política estatal ou sindical, é válido questionar se as fábricas se deslocariam novamente, abandonando os trabalhadores que têm suas vidas atreladas às grandes fábricas e todos os desenvolvimentos das cidades em torno delas.


Especialmente sobre o caso em questão, em fevereiro de 2023, uma fábrica da Tesla localizada na Alemanha, de tamanho similar à que será construída no México, foi denunciada pelo sindicato de metalúrgicos alemão, a IG Metall, que acusa a empresa de estabelecer horários de trabalho irrazoáveis ​​e criar uma cultura de medo. Além disso, denunciou as más condições de trabalho da fabricante. Similarmente, um estudo chinês publicado pelo Jornal Escandinavo de Saúde Pública indica que o estresse causado pelas condições de algumas indústrias offshore localizada na China piorou o quadro de saúde mental de seus funcionários, elevando a incidência de doenças mentais acima da média nacional. (Wei-Qing; Tze-Wai, Tak-Sun, 2009)


Portanto, é possível notar que os setores públicos e privados do México têm em comum a intenção de atrair as fábricas e empresas para seu território próximo aos Estados Unidos por meio da prática de nearshoring, para criar empregos e fomentar sua economia. Apesar do investimento ser vital para o desenvolvimento do México, dos países da América Latina e do Caribe, e de outros países em desenvolvimento do mundo, há de se lembrar que os setores de produção do mundo capitalista buscam a maximização do lucro em detrimento da saúde e bem-estar da população trabalhadora, o que pode resultar em empresas que se instalam nesses países receptores, não se adaptam às necessidades de seus funcionários e se existe uma reinvindicação ou conquista de direitos ou de valorização por parte dos trabalhadores, se reinstalam em lugares mais financeiramente convenientes deixando um vácuo no lugar de suas fábricas desativadas.

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