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Os Latinos e o tortuoso caminho de Joe Biden para a reeleição

Thaís Caroline A. Lacerda | 08/01/2024 17:29 | Análises
IMG Gage Skidmore from Surprise, AZ, United States of America

O ano de 2024 será o maior ano eleitoral dahistória. Em todo o mundo, mais de 2 bilhões de eleitores em 50 países irão às urnas, de acordo com o Center for American Progress (Centro para o Progresso Americano), um instituto político independente e apartidário dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, a Índia e o México estão dentre os quase oitenta países que representam pouco mais da metade da população mundial que realizarão eleições nacionais em 2024. Nunca na história esse grande número de pessoas em todo o mundo votaram no mesmo ano. 


Segundo a publicação da World Economic Forum, mais de 160 milhões de pessoas nos EUA estão registradas para votar no 60º presidente que servirá na Casa Branca por quatro anos, a partir de janeiro de 2025. O atual presidente Joe Biden espera garantir um segundo mandato, enquanto o ex-presidente Donald Trump espera retornar ao poder. O próximo presidente poderá ajudar a definir o futuro de diversos conflitos no mundo, como as guerras na Ucrânia e em Gaza, além de solidificar o papel do país em suas relações com países aliados e adversários, como a China e a Rússia. Além disso, poderá nortear temas claramente importantes domesticamente, como economia e imigração, e à humanidade, como a crise climática e disputas geopolíticas.


Nesse sentido, uma nova pesquisa do USA Todaye Suffolk University, realizada entre 26 e 29 de dezembro do ano passado, revelou que o ex-presidente Trump está na frente do presidente Biden na disputa eleitoral deste ano entre grupos demográficos antes majoritariamente da base democrata, como os eleitores latinos/hispânicos e entre a população jovem.


A incapacidade de Biden na solidificação do apoio de segmentos críticos da ampla coligação que o elegeu em 2020 resultou, conforme mostram as pesquisas, numa estreita desvantagem para Trump. Numa comparação direta, Trump lidera 39% contra 37% de Biden, com 17% expressando apoio a um candidato de um terceiro partido não identificado. Quando sete candidatos são especificados pelo nome, a vantagem de Trump se estende para 3 pontos percentuais, com o independente Robert F. Kennedy Jr. emergindo como o principal candidato de um terceiro partido, com 10%, conforme a pesquisa mencionada.


Frente aos dados apresentados, fica mais evidente o grande desafio político que Biden enfrenta para garantir um segundo mandato. Segundo os pesquisadores, apesar de alguns entrevistados reconhecerem o trabalho razoavelmente sólido de Biden, um aspecto subjetivo ficou evidente entre alguns democratas entrevistados: o sentimento de decepção por ter “dois brancos velhos” na disputa.


Outras referências estão relacionadas à população negra estadunidense. De acordo com a publicação da pesquisa, “o apoio a Biden diminuiu significativamente entre os eleitores negros, caindo de 87% em 2020 para 63% agora, de acordo com o Roper Center. Ele também está atrás entre os eleitores hispânicos por 5 pontos percentuais, um declínio notável em relação à sua vantagem de 2 para 1 sobre Trump em 2020. Entre os eleitores com menos de 35 anos, onde Biden liderou em 2020, Trump agora lidera com 37% a 33%”.


Ainda segundo a publicação da USA Today, o potencial lado positivo para Biden, revelado pela pesquisa, é que grande parte do apoio que ele perdeu parece ter sido transferido para candidatos de terceiros partidos, em vez de diretamente para Trump. Aproximadamente 20% dos eleitores hispânicos e negros, e 21% dos eleitores jovens, expressam uma inclinação para apoiar alguém que não seja os dois principais candidatos. O apoio de Trump entre os eleitores negros permanece em 12%, o mesmo que em 2020. No entanto, a pesquisa indica que um em cada cinco eleitores negros está considerando apoiar um candidato de um terceiro partido nas próximas eleições de novembro.


Uma questão preponderante apontada pelos pesquisadores acerca dos desafios enfrentados pelo atual presidente é a grande dificuldade que Biden vem enfrentando para aumentar o entusiasmo entre os seus apoiadores, diferente de Trump, que vem mantendo níveis mais elevados de entusiasmo entre a sua base. Nesse sentido, a percepção de uma melhoria econômica no país entre a população, revelada pela pesquisa, pode começar a mudar este quadro. Contudo, ainda é cedo para que essa percepção positiva possa ser traduzida no maior apoio ao atual presidente.


Já em relação a Donald Trump, é destacada sua forte posição na disputa pela nomeação do Partido Republicano, com o apoio de 62% dos prováveis eleitores republicanos nas primárias. Os desafios e controvérsias jurídicas do ex-presidente não afetaram significativamente o seu apoio político. Justamente o oposto do lado democrata, já que a candidatura de Biden está sendo afetada por uma possível erosão de sua base de apoio.


O presidente enfrenta desafios como a insatisfação com a inflação, preocupações sobre a fronteira e falta de entusiasmo em relação às suas realizações políticas. Segundo publicação da plataforma Semafor America a partir de entrevistas com proeminentes lideranças hispânicas no país, o voto hispânico está continuamente em jogo, com Trump reduzindo as margens, especialmente em estados decisivos como Arizona, Nevada e Wisconsin. Essas lideranças representam organizações como a League of United Latin American Citizens (LULAC), United States Hispanic Business Council (USHBC), Hispanic Chamber of E-Commerce e Florida State Hispanic Chamber of Commerce (FSHCC) que acompanham as principais dificuldades que a comunidade hispânica tem enfrentado nos últimos anos e que podem diretamente estar influenciando a perda de apoio dos democratas junto a este eleitorado.


Segundo essas lideranças, embora exista o medo de uma segunda presidência de Trump e a preocupação com deportações sejam fatores que ainda favorecem Biden entre os hispânicos (principalmente entre as mulheres), falta uma mensagem central atrativa para esse eleitorado, que está preocupado com questões econômicas, como a inflação e o custo de vida. Críticas ainda são direcionadas à narrativa da administração “Bidenomics”, com líderes empresariais hispânicos argumentando que ela não reflete as experiências reais das comunidades. Destacaram também para a necessidade de confrontar questões de custo de vida, habitação e segurança pública para conquistar o apoio dos eleitores hispânicos.


A falta de um discurso atrativo, enfático e que una os interesses e necessidades mais urgentes dessa população é apontada como um desafio que a administração Biden precisa superar. Em contrapartida, o Partido Republicano é descrito como mais agressivo na busca por candidatos hispânicos, desafiando redutos democratas e trabalhando para aumentar sua pontuação em áreas conservadoras. A campanha de Trump é vista como focada na economia, algo que a campanha de Biden precisa abordar para reverter a tendência de afastamento, segundo as lideranças latinas entrevistadas.


Ainda no contexto de medir o pulso da opinião pública latina acerca das eleições presidenciais de 2024, a “Pesquisa Anual de Opinião Pública Hispânica” (AnnualHispanic Public Opinion Survey) patrocinada pela “Adsmovil” e publicada no site da Florida International University  (FIU), por meio do Latino Public Opinion Forum (LPOF), estabelecido pelo Instituto Jack D. Gordon de Políticas Públicas da FIU, apresentou dados relevantes. A coleta de dados foi realizada entre 18 de novembro e 3 de dezembro de 2023, envolveu 1.221 entrevistados selecionados aleatoriamente dos 22 estados dos EUA com a maior concentração hispânica. O tamanho da amostra carrega uma margem de erro de 2,8%. A faixa etária prevalecente dos respondentes situa-se entre 35-44 anos (26,4%) e 25-34 (2,6%) que se autodeclararam mulheres (49,4%) e homens (50,0%), dentre outras características apresentadas no relatório.


A pesquisa encontrou que, como hispânico/latino, os “Democratas” representam melhor seus valores (58,4%) em comparação aos “Republicanos” (24,1%). Já 12,9% da amostra respondeu que “nenhum dos partidos” o representa e 4,6% não soube ou não quis responder. Questionados se cogitaram trocar de partido no ano passado, 71,4% responderam “não”, 19,4% “sim”, pensaram na possibilidade, e 9,2% não souberam ou não quiseram emitir opinião. Sobre a questão do voto e a possibilidade de se apresentar às urnas nas próximas eleições presidenciais, 73,8% responderam “muito provavelmente” somados a 15,8% que responderam “provavelmente” em comparação a 7,1% que responderam como “improvável” e 3,2% “muito improvável” irem depositar seu voto.


Outra pergunta importante da pesquisa relacionada à reeleição de Joe Biden ao cargo de presidente, foi direcionada à aprovação ou não de seu trabalho. Como resposta, 25% dos latinos disseram “aprovar” seu trabalho, sendo que 20,2% “não aprovam, mas também não desaprovam” e 18,8% “aprovam fortemente”. Em contrapartida, 19,6% “fortemente desaprovam” e 15,2% “desaprovam” o trabalho do atual presidente. Os que não sabem ou não quiseram responder correspondem a 1,2% dos entrevistados. 


Acerca da “inclinação” do eleitorado pesquisado pela USA Today e Suffolk University sobre apoiar alguém que não seja os dois principais candidatos encontrou ressonância na pesquisa realizada apenas pela FIU. Segundo o relatório, perguntados se Biden deve concorrer em 2024, 44,7% responderam “não”, 34,6% responderam “sim”, 17,8% disseram “não ter certeza” e 7,9% “não sabem ou não responderam”. A mesma pergunta foi feita em relação a Donald Trump e 57,2% responderam que ele “não” deve concorrer em 2024, 32,2% opinaram que “sim”, ele deve concorrer, 8,7% disseram “não ter certeza” e 1,9% “não sabem ou não responderam”. Caso as eleições presidenciais fossem hoje, 53,4% dos hispânicos votariam em “Joe Biden” contra 33.2% que votariam em “Donald Trump”.


Interessante notar que a pesquisa revelou que 17,3% dos entrevistados não souberam identificar qual seria a principal ameaça à segurança nacional. Em contrapartida, 11,5% deles responderam que se trata das fronteiras abertas/imigrantes não controlados, o que é favorável às políticas anti-imigração de Trump. O terrorismo (externo)/Oriente Médio; Hamas; islâmicos são relacionados como a principal ameaça aos 10,2% dos entrevistados seguidos por 9,6% que consideram as Guerras em curso entre países com o envolvimento dos EUA a ameaça principal ao país. Dentre os principais problemas enfrentados, confirmando os relatos das principais lideranças de organizações hispânicas nos EUA e outras pesquisas de opinião, os principais problemas enfrentados pelo país hoje, segundo a comunidade latina entrevistada, seria a inflação/altos preços/custo de vida (19,8%), a Economia/pobreza (16,6%), a imigração: controle das fronteiras/segurança (7,5%), seguido da temática da Guerra/tratamento de conflitos internacionais/Política externa para 4,7% dos respondentes.


Outra pesquisa que buscou revelar insights importantes sobre a opinião dos eleitores hispânicos nos Estados Unidos, focando em estados-chave como Arizona, Flórida, Nevada e o Vale do Rio Grande, Texas, foi realizada entre 6 e 12 de novembro de 2023 pela Cygnal (a empresa privada de pesquisa de opinião mais precisa e de crescimento mais rápido do país). Dentre as principais conclusões, ressalta-se a avaliação sobre o governo de Joe Biden: 62% dos eleitores hispânicos opinando que o país está no “caminho errado”, contra 32% que entendem o contrário. A prioridade para os eleitores hispânicos, segundo a pesquisa, é a “inflação e a economia” (36% no total), que surge como a principal questão para pelo menos um terço dos eleitores hispânicos em cada estado pesquisado. Os eleitores hispânicos nos quatro estados pesquisados ​​tendem a ver a Patrulha de Fronteira dos EUA de maneira “favorável” (53%) contra 33% que a veem de modo “desfavorável”. Outros 14% “não emitiram opinião”. Já para 63% dos eleitores hispânicos, que o “Sonho Americano” é “alcançável” para eles pessoalmente, contrastando com 31% que responderam que se trata de um objetivo “não alcançável”.


Segundo o relatório, “a menos de um ano das eleições de 2024, os eleitores hispânicos estão abertos ao Partido Republicano e a Trump: 41% votariam em Trump em vez de Biden numa revanche de 2020, e 43% votariam num candidato não-Trump do Partido Republicano. Trump lidera entre os cubano-americanos por 58% a 35%, enquanto Biden detém uma vantagem de 54% a 35% entre os mexicanos-americanos. A imagem líquida [net image] de Biden (-27) é pior entre os independentes hispânicos em geral do que a de Trump (-15)”.


Os dados refletem a complexidade das preferências dos eleitores hispânicos, com foco especial nas preocupações econômicas e na percepção da administração Biden. Apesar das dificuldades atuais, a equipe de Biden afirma não subestimar os eleitores hispânicos, investindo em anúncios direcionados e programas voltados para esse grupo. A ênfase na oposição a uma segunda presidência de Trump é apontada como um ponto de mobilização, enquanto a campanha espera desmistificar pesquisas que sugerem uma perda de apoio entre os latinos.


Diferentemente do que acreditavam alguns analistas democratas, o aumento da população latina nos EUA não se traduziu necessariamente em ganhos substanciais para o Partido Democrata, pois a demografia por si só não determina os resultados políticos. A crise iniciada em 2007 teve um impacto significativo nos diversos setores da sociedade estadunidense e, principalmente, na organização da política, levando a uma reorganização de prioridades e à emergência e adesão ao conservadorismo político e à extrema direita. A recessão econômica contribuiu para a ascensão de alguns movimentos nesse sentido e o cenário político testemunhou a ascensão de Donald Trump. Em contrapartida, alguns movimentos progressistas e da esquerda estadunidense em prol dos direitos civis ganharam corpo, exemplificada pelo surgimento do Black Lives Matter em 2013 e o tema dos direitos reprodutivos, que vieram à tona depois que a Suprema Corte derrubou a decisão Roe v. Wade, em junho de 2022.


A complexidade da política estadunidense destaca-se hoje pela multiplicidade de correntes políticas e culturais que tornam difícil prever os resultados eleitorais. Um aspecto crucial discutido no texto é a atitude dos eleitores latinos. Notavelmente, o que se destaca é o aumento do favoritismo de Donald Trump frente a Joe Biden. Para os observadores da política dos Estados Unidos, 2024 será um ano repleto de movimentações. O Latino Observatory irá acompanhar de perto os principais eventos da corrida eleitoral.

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