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Estados Unidos e México e o aumento da repressão na fronteira

Beatriz Zanin de Moraes / Thaís Caroline A. Lacerda | 17/01/2024 19:09 | Análises
IMG Gerald L. Nino, CBP, U.S. Dept. of Homeland Security

Na última semana de dezembro, aproximadamente 10.000 pessoas partiram de Tapachula, fronteira do México com a Guatemala, com o objetivo de alcançar a fronteira entre o México e os Estados Unidos. A caravana é composta por, aproximadamente, 14.000 pessoas, destacando-se pela diversidade das nacionalidades presentes, como Honduras, Cuba, Haiti, Nicarágua, Guatemala, El Salvador, República Dominicana, Colômbia, Equador, Venezuela, Brasil, Irã, Paquistão, Índia, Síria, China, Bangladesh e vários países africanos, segundo a publicação da Rádio França Internacional (RFI). Esse contingente se somas ao meio milhão de migrantes que foram contabilizados indo aos Estados Unidos em 2023, o dobro em relação ao ano anterior.


A decisão de realizar a travessia surgiu após meses de situação de extrema pobreza em Tapachula, onde muitos migrantes não recebiam assistência do “Instituto Nacional de Migração”. Na reivindicação por melhores condições de vida, o grupo decidiu pela caminhada. Além disso, a suspensão das autorizações para circular pelo México, realizada pelo “Instituto Nacional de Migrações” mexicano em setembro do ano passado, contribuiu para uma situação humanitária caótica. Ainda de acordo com informações coletadas pela RFI, o Estado mexicano deixou os migrantes à mercê do crime organizado, forçando-os a buscar a ajuda de coiotes e traficantes humanos, o que coloca em risco especialmente mulheres e crianças.


O aumento progressivo de migrantes nos últimos meses de 2023 foi reconhecido pelo presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador. Há mais de 10.000 pessoas por dia tentando atravessar a fronteira rumo aos Estados Unidos, segundo contabilizou a polícia americanade fronteira. O contingente cada vez maior de pessoas que procuram sair de seus territórios de origem em um contexto maior de crises observadas em países da América Latina contemporânea, se consubstancia à complexidade dos desafios que envolvem o tema da migração. As pessoas que migram buscam melhores condições de vida em meio não somente a políticas migratórias cada vez mais restritivas, como em condições bastante adversas.


Nesse cenário de aumento dos fluxos migratórios e a necessidade de se impor políticas cada vez mais restritivas na fronteira, foi realizada a visita de altos funcionários da Casa Branca ao México liderada pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, o secretário do Departamento de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, e a conselheira de Segurança Interna da Casa Branca, Liz Sherwood Randall. A delegação buscou discutir com o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, e autoridades de imigração, uma solução conjunta para enfrentar esse desafio. Outros temas como cooperação econômica e segurança também estiveram na pauta de debates sugerindo a construção de uma política de boa vizinhança entreos países.


Agentes federais relataram, segundo a RFI, que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas foram detidas tentando atravessar a fronteira no último ano. A visita ocorreu simultaneamente à chegada de uma caravana de cerca de seis mil pessoas, originária da fronteira com a Guatemala, em direção à fronteira dos EUA. O presidente Joe Biden e López Obrador já discutiram a questão migratória em telefonema recente, concordando que ações urgentes de fiscalização seriam necessárias para reabrir os principais pontos de entrada na fronteira comum que foram fechados devido ao aumento do fluxo de migrantes. Logo, no início do mês de janeiro, a administração Biden anunciou a reabertura de portos de entrada na fronteira sul dos Estados Unidos, retomando as operações em quatro portos de entrada localizados em Eagle Pass, Texas; San Ysidro, Califórnia; Lukeville, Arizona; e Nogales, Arizona, segundo publicou a NBC News.


A decisão de fechar esses portos de entrada em dezembro foi tomada devido à decisão de redirecionar os recursos para lidar com o considerável aumento de migrantes que buscavam entrar nos Estados Unidos. Ainda de acordo com a NBC, durante o mês de dezembro de 2023, os agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras encontraram mais de 300.000 migrantes na fronteira sul, estabelecendo um recorde. Por outro lado, o México suspendeu um programa de repatriamento e transferência de migrantes por falta de fundos, mas López Obrador expressou disposição para colaborar com os Estados Unidos, solicitando, no entanto, que a administração Biden alivie sanções a Cuba e Venezuela, países de origem de muitos migrantes.


No cenário político de disputas que precedem as eleições, os Republicanos da Câmara condicionaram o apoio de se estabelecer políticas mais rígidas, conjuntas e coordenadas na fronteira sul, a um pedido de ajuda de US$ 105 bilhões para Ucrânia e Israel.  A Casa Branca sinalizou disposição para negociação, podendo implicar uma mudança significativa na política de asilo dos EUA ainda neste mês.


Ainda no contexto de negociações e disputas frente questões da crise migratória, o estado do Texas aprovou uma lei estadual (para entrar em vigor em 5 de março) que transforma a travessia ilegal em crime estadual, dando autoridade policial para prender imigrantes indocumentados em qualquer lugar do estado. Em contrapartida, o Departamento de Justiça dos EUA processou o estado pedindo ao tribunal que declare a lei inconstitucional e impeça o Texas de implementá-la, de acordo com matéria publicada pelo Texas Tribune. A ação foi movida em um tribunal federal de Austin e nomeia o governador Greg Abbott e o diretor do Departamento de Segurança Pública do Texas, Steve McCraw.


No campo da cooperação econômica e que envolvem não apenas trocas comerciais, mas também interesses estratégicos políticos – uma das questões discutidas no encontro de lideranças entre México e Estados Unidos – o processo de aprovação de projetos de pontes internacionais no sul do Texas, com o objetivo de impulsionar o comércio entre os dois países, está se acelerando após uma mudança política sancionada pelo presidente Joe Biden. Liderados pelo senador Ted Cruz, republicano do Texas, e pelo deputado Henry Cuellar, democrata de Laredo, um grupo bipartidário de legisladores texanos pressionou por uma alteração que estabelece um prazo máximo de 120 dias para o presidente decidir sobre a aprovação de uma licença para tais projetos. Anteriormente, o processo envolvia uma revisão ambiental, que poderia levar anos, antes que uma decisão presidencial fosse tomada, conforme informou o Texas Tribune. A mudança na política foi incluída na Lei de Autorização de Defesa Nacional sancionada por Biden três dias antes do Natal. Cruz e Cuellar elogiaram a alteração como uma “tremenda vitória bipartidária para o Texas”. Autoridades mexicanas e Glenn Hamer, chefe da Associação Empresarial do Texas, também apoiaram a mudança, considerando-a o “esforço mais significativo para aumentar o comércio desde a aprovação do Acordo Estados Unidos-México-Canadá em 2020”. Essa disposição se aplica a pelo menos três pontes internacionais nos condados de Webb, Cameron e Maverick, que solicitaram licença entre dezembro de 2020 e dezembro de 2024.


“A nova lei também ocorre em um momento estratégico, enquanto Cruz busca a reeleição e destaca conquistas bipartidárias em sua plataforma. No condado de Maverick, a mudança beneficia o projeto da ponte comercial global de Puerto Verde em Eagle Pass, prometendo reduzir tempos de espera e reforçar a segurança. O desenvolvedor do projeto elogiou a nova política como ‘enorme’ e espera uma decisão de autorização até a primavera”, ainda segundo o Texas Tribune.


Costurando iniciativas anti-imigração interna aos estados em meio às disputas políticas e de crise migratória no país, destaca-se alguns pontos de inflexão na administração Biden, que tem sido duramente criticada em diversos pontos com a consequente defasagem no apoio do eleitorado estadunidense nos últimos anos. Na quinta-feira (5) o governo americano anunciou que vai retomar a deportação de imigrantes venezuelanos sem documentos e voltar a construir o muro na fronteira, o mesmo proposto pelo ex-presidente Donald Trump. Os fundos que serão utilizados na obra serão os mesmos aprovados pelo governo anterior. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, classificou a decisão como um “retrocesso” e disse que é “necessário combater as causas da migração ilegal e o muro não resolve o problema”. Nesse contexto, López já havia pedido aos legisladores estadunidenses que investissem mais para ajudar os pobres na América Latina e no Caribe “em vez de colocar barreiras, cercas de arame farpado no rio, ou pensarem em construir muros”.


Alejandro Mayorkas, secretário de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS), ressaltou que isso não foi uma mudança do presidente Joe Biden em relação ao muro fronteiriço que prometeu não fazer em sua campanha na eleição. Segundo o presidente americano, as obras serão retomadas porque os recursos destinados a ela em anos anteriores ao seu mandato, que somam cerca de US$ 190 milhões (quase R$ 1 bilhão), não foram gastos e não podem ser realocados para outros programas. Biden alegou que tentou transferir os recursos, sem sucesso. Não obstante, Donald Trump questionou a legitimidade das promessas de campanha de Biden ao declarar nas redes sociais que “aguardará” o pedido de desculpas de Biden sobre o que disse até hoje sobre o muro. 


Nessa conjuntura política crítica aos democratas, Mayorkas enfrentou a tumultuada segunda semana de janeiro no Congresso, com os republicanos da Câmara iniciando os esforços de impeachment contra ele e simultaneamente participando de negociações intensas com senadores sobre um pacote de fronteira. Segundo matéria publicada pelo TheHill Mayorkas é alvo da ira do Partido Republicano, que o acusa de desrespeitar intencionalmente a lei e permitir a entrada de migrantes e drogas no país. Os republicanos da Câmara iniciaram um processo de impeachment contra o secretário e uma audiência do Comitê de Segurança Interna estava sendo programada para os dias subsequentes. A audiência, intitulada “Devastação no coração: como a liderança fracassada do secretário Mayorkas impactou os Estados”, na tradução livre para o português, é a primeira de uma série no processo de impeachment.


O DHS divulgou um memorando antes da audiência classificando o impeachment como um “ataque político infundado e sem sentido”. O departamento enfatizou que Mayorkas está trabalhando incansavelmente para resolver os problemas na fronteira, colaborando com senadores de ambos os partidos em busca de soluções reais. A possível votação pelo impeachment no Senado permanece incerta, com alguns membros republicanos preocupados com o impacto negativo que poderia ter em outras questões legislativas, como o pacote de financiamento governamental e a ajuda à Ucrânia, ainda segundo o The Hill.


Em meio a esse cenário, os democratas e o DHS adotam uma postura mais ofensiva, caracterizando o processo de impeachment como prejudicial e infundado. Mayorkas, por sua vez, alega continuar envolvido nas negociações e esforços para abordar as questões na fronteira.


É perceptível que a crise migratória dos Estados Unidos envolve problemas geradores de outras novas disputas e desafios. O grande fluxo de pessoas entre fronteiras tem atingido outras partes do país com novas crises para além da fronteira com o México, principalmente nos momentos que antecedem as eleições primárias. Uma questão já abordada pelo Latino Observatory é a política dos ônibus de governadores republicanos que traçam o destino de centenas de migrantes que chegam ao país, muitos deles carregando crianças e com dificuldade de arrumar emprego. Líderes das grandes cidades, muitos democratas como o prefeito Eric Adams, acabam criticando o governo federal e pedindo mais ajuda para lidar com esse momento. Já no início do mês de janeiro, conforme informou a matéria do Texas Tribune, a cidade de Nova York entrou com uma ação contra 17 empresas de ônibus e transporte que foram contratadas pelo estado do Texas para transportar milhares de migrantes para Nova York como parte das políticas de imigração do governador Greg Abbott. A cidade está buscando US$ 708 milhões em danos, alegando que esse é o valor que gastou para abrigar os migrantes. A ação foi movida na Suprema Corte do Estado de Nova York. Eric Adams argumentou que a cidade está disposta a enfrentar a crise humanitária, mas não pode suportar os custos resultantes de manobras políticas imprudentes do Texas. Ele acusou o governador Abbott de usar os migrantes como “peões políticos, colocando a política acima das pessoas”. A ação destaca que as empresas estão violando uma lei estadual ao transportar migrantes para Nova York com a intenção de transferir os custos dos cuidados para a cidade. “O processo alega que as empresas estão agindo de má-fé, recebendo mais dinheiro por seus serviços do que o custo de uma passagem única do Texas para Nova York em um ônibus regular. Relatórios públicos indicam que as empresas recebem cerca de US$ 1.650 por pessoa em ônibus fretados, em comparação com US$ 291 por uma passagem única de ida”, informou ainda a publicação. Desde abril de 2022, o governador Abbott instruiu a Divisão de Gestão de Emergências do Texas a enviar migrantes para cidades lideradas por democratas que ele descreve como “cidades santuário para imigrantes indocumentados”. Até dezembro, mais de 82.000 pessoas foram transportadas de ônibus para várias cidades dos EUA, incluindo Washington DC, Nova York, Chicago, Filadélfia, Denver e Los Angeles.


A falta de uma solução para a crise migratória faz com que este tema monopolize o debate político, principalmente tendo em vista as eleições de 2024 somada à aprovação do presidente Joe Biden em declínio. A atual crise funcional do sistema político dos Estados Unidos não consegue oferecer uma solução de médio e longo prazos. Os conflitos político-partidários somados à incapacidade de coordenação doméstica e entre países fronteiriços na conjuntura atual, torna ainda mais difícil encontrar soluções não somente para os problemas de origem dos fluxos migratórios, mas também para o acolhimento devido desse contingente de pessoas que busca condições melhores de vida.

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