Com um inverno rigoroso se alastrando pelo norte dos Estados Unidos, a cidade de Nova Iorque, conhecida por suas temperaturas baixas, precisa se preocupar com outro assunto de uma forma mais urgente do que o frio extremo: a imigração desenfreada. Desde 2022, a metrópole americana vem recebendo milhares de imigrantes de diversas partes do país, em especial do sul. Essa leva massiva de indivíduos chegando à cidade fez com que os serviços públicos acabassem atingindo uma sobrecarga histórica, caso dos abrigos da cidade para pessoas sem teto.
Por lei, Nova Iorque é obrigada a oferecer abrigo para pessoas que estão em situação de rua, outro problema crônico da cidade que foi intensificado pela chegada de mais pessoas sem emprego ou locais para permanecer. Praticamente 70.000 imigrantes estão utilizando dos abrigos de emergência no inverno, entretanto, a administração do prefeito Eric Adams vem dificultando a permanência dessas pessoas nos abrigos. Atualmente, existe um limite de 60 dias para ficar em um abrigo, e a expulsãoocorre após isso. Ademais, para aqueles que procuram emprego, barreiras legais impedem que muitos imigrantes consigam acessar a economia novaiorquina, com alguns esperando um documento chamado “IDNYC”, que poderia auxiliar na obtenção de uma primeira remuneração, mas sem garantias.
Logo, neve e burocracia representam dois problemas que intensificam essa questão que se alastra não só por Nova Iorque, mas pelos Estados Unidos como um todo, levantando a importância de uma maior análise sobre a questão.
Decisões tardias
A crise migratória na cidade de Nova Iorque é um dos maiores desafios enfrentados pela administração do prefeito Eric Adams, que assumiu o cargo em janeiro de 2022. Desde abril de 2022, mais de 100 mil solicitantes de asilo, provenientes principalmente da América Latina, chegaram à cidade buscando refúgio e oportunidades em uma das metrópoles mais caras e populosas do mundo. No entanto, a resposta das autoridades municipais, estaduais e federais foi marcada por atrasos, improvisos e conflitos, que agravaram a situação dos migrantes e dos cidadãos nova-iorquinos.
Um dos principais problemas enfrentados pela cidade foi a falta de abrigos adequados para acolher os migrantes, que chegavam muitas vezes de ônibus sem aviso prévio ou coordenação. A cidade, obrigada por lei a oferecer abrigo a todos que o solicitarem, teve que recorrer a hotéis, tendas e até navios de cruzeiro para alojar os recém-chegados. No entanto, essas soluções se mostraram insuficientes, ineficientes e caras, custando à cidade cerca de 12 bilhões de dólares nos próximos três anos.
Além disso, algumas das tentativas de buscar soluções para a crise geraram ridicularizações e críticas, tanto da opinião pública quanto de outras esferas de governo. Por exemplo, a ideia de usar navios de cruzeiro como abrigos foi rejeitada por alguns como cruel e por outros como luxuosa, além de enfrentar problemas logísticos como o esgoto. Outra ideia, a de construir tendas em um estacionamento no Bronx, foi abandonada depois que o local se revelou impróprio devido à chuva e ao risco de sumidouros.
A crise também expôs as divergências entre o governo federal, liderado pelo presidente democrata Joe Biden, e o governo estadual e municipal, do mesmo partido. O prefeito Adams acusou a Casa Branca de falhar com a cidade de Nova Iorque ao não ter planos para lidar com o enorme fardo que suas políticas de imigração impunham às grandes cidades. Por sua vez, a Casa Branca afirmou que estava orgulhosa dos investimentos significativos que fez na cidade de Nova Iorque. O ex-governador do estado, Andrew Cuomo, também entrou em conflito com o prefeito, ao questionar o uso de recursos públicos para abrigar os migrantes.
Críticas à Biden e o pleito eleitoral de 2024
O problema enfrentado pela cidade em questão não é a única dor de cabeça do presidente Biden sobre a imigração, mas várias frentes políticas nacionais estão atacando a atual gestão da Casa Branca sobre esse tema, como o governo do Texas. Recentemente, o governador do território texano, Greg Abbott, foi contra uma decisão da suprema corte dos Estados Unidos que possibilitou agentes federais de acessarem a fronteira do país com o México, obstruída pela Guarda Nacional do Texas. A motivação para isso foi que o governo do Texas começou a colocar cercas ao longo do Rio Grande, as quais os agentes federais passaram a remover para auxiliar possíveis imigrantes machucados, gerando protestos e limitações de acessos ao local pelo governo texano.
Sob a operação “Lone Star”, o Texas vem travando uma “guerra” contra imigração ilegal e gerando um mal-estar para a Casa Branca, com o governador Abbott se projetando nacionalmente como um grande crítico do presidente neste quesito. Em um comunicado divulgado no site do governo do Texas, o governador critica o presidente insinuando que a gestão federal ordenou que as agências “ignorem” as normas que mandam à prisão os imigrantes ilegais e reforça o direito do Texas de se proteger: “O presidente Biden instruiu suas agências para ignorar os estatutos federais que ordenam a detenção de imigrantes ilegais [...]”. “O Texas tem o direito como um estado para impedir criminosos de adentrarem nosso estado, de realizar prisões dessescriminosos [...]”.
Essa pressão, oriunda do sul, dificulta a atuação do presidente Biden, eleito sob uma plataforma que mescla o tradicionalismo dos democratas com o atual progressismo presente no partido. Nesses momentos, o chefe do executivo age de uma forma vista, às vezes, como “bruta” por seus apoiadores democratas, mas nunca “forte” o suficiente para acalmar os republicanos. À direita, Donald Trump, seu possível adversário na eleição em novembro, e Nikki Haley, atual oponente de Trump para a nomeação do partido, vêm criticando a gestão do presidente. Para se ter ideia, Haley apoiou a decisão do governador Abbott contra as forças federais e classificou a posição de Biden sobre o tema como “absolutamenteridícula”. Trump, por outro lado, promete deportações em massa e apoia as decisões dos estados de divergirem da administração federal sobre o tema da imigração. Isso traz concretude à afirmação de que Nova Iorque não é o único local que enfrenta problemas imigratórios no país. As agências burocráticas, de segurança e de justiça se encontram desalinhadas nesse quesito, o que pode impactar severamente as eleições deste ano.
No último sábado do mês de janeiro, a atual governadora do Estado novaiorquino, Kathy Hochul, defendeu, durante discurso, a possibilidade de considerar a deportação de imigrantes sob determinadas circunstâncias. A fala da governadora se choca com a característica “cidade-santuário” – cuja estrutura jurídica é moldada em favor da proteção ao imigrante – atribuída, previamente, à cidade de Nova Iorque, em consequência a políticas favoráveis ao direito do imigrante, como o direito de votar em eleições locais e a libertação legal de indocumentados. É importante, porém, ressaltar que a hipocrisia existente dentro da política norte-americana não é recente e contribui de forma contínua para o prejuízo em relação à permanência e à dignidade de imigrantes em território norte-americano. À guisa de exemplo dessa discordância política, no segundo semestre de 2022, o Immigration Reform Law Instituite (IRLI) – organização legal filiada ao Federation for American Immigration Reform (FAIR), que se projeta contra a imigração – criticou as medidas tomadas por vereadores em favor dos direitos imigratórios, alegando que as políticas tomadas por cidades-santuário, como Nova Iorque, levam a maiscrime, medo e morte.
Com isso, afirma-se que a
complexidade da crise imigratória nos Estados Unidos transcende a aflição do
Estado de Nova Iorque e entende-se que o desencontro de concepções e a
persistente hipocrisia presentes na política estadunidense acabam por
complexificar o cenário hoje enfrentado, sem que haja espectro de resolução.