1. A influência de líderes religiosos e crescimento do nacionalismo cristão entre latinos
Recentes posicionamentos de líderes religiosos nas próprias congregações durante o período de campanha presidencial nos Estados Unidos levantaram discussões sobre o direcionamento do voto do bloco evangélico nas eleições e o crescimento da ideologia do nacionalismo cristão, a qual descarta a separação da igreja do Estado, especificamente entre latinos evangélicos no país.
● O governo dos EUA deve declarar a América uma nação cristã;
● As leis dos EUA devem ser baseadas em valores cristãos;
● Se os EUA se afastarem de nossas fundações cristãs, não teremos mais um país;
● Ser cristão é uma parte importante de ser verdadeiramente americano;
● Deus chamou os cristãos para exercer domínio sobre todas as áreas da sociedade americana.
O único grupo religioso a registrar um aumento no apoio ao nacionalismo cristão, com um crescimento de 12% entre a primeira pesquisa realizada em 2022 e a de 2023, é o de protestantes hispânicos. Percebemos que, mesmo com as políticas restritivas de imigração e do reavivamento do patriotismo e da identidade nativa americana, a proposta do estabelecimento dos Estados Unidos como uma nação cristã atrai cada vez mais seguidores desse grupo. Em contraste, os níveis de aceitação dessa ideologia foram significativamente menores entre outros grupos religiosos: 75% dos católicos hispânicos e 92% dos judeus americanos não se identificam com essas ideias. Ainda, cerca de 55% dos latinos protestantes americanos e 66% dos evangélicos brancos expressam apoio ao
nacionalismo cristão. Esses dados se estendem a
aproximadamente três em cada dez americanos (28%) que se identificam como adeptos ou simpatizantes dessa ideologia. Contudo, cerca de dois terços dos americanos são céticos ou rejeitam o sistema de valores do nacionalismo cristão.
A seguinte pregação de que “Deus vai fazer algo muito grande com o povo latino nos Estados Unidos”, do Pastor Dionny Báez à sua congregação em um sermão em fevereiro, é algo característico de uma ideologia que une o discurso político que diz preconizar valores e fé cristãos. Enquanto líder religioso e reconhecendo a própria influência sobre os seguidores, o pastor acredita que os critérios de apoio a um candidato devem estar alinhados aos seus valores. É com base nisso que ele incentiva e aconselha aqueles que
solicitam orientação sobre as votações em novembro.
Também alinhado a essa perspectiva, o Pastor Samuel Rodriguez afirma que “Os latinos evangélicos este ano vão votar como em nenhum outro”, confiante de que o bloco conservador do eleitorado hispânico “está mais envolvido do que nunca” nas eleições. Sobre a sua fala, é pertinente mencionar que, por décadas, a base eleitoral do Partido Republicano foi composta solidamente pelos evangélicos nos Estados Unidos pelas
últimas quatro décadas, esclarecendo a aproximação da agenda política do partido com os eleitores que possuem valores cristãos.
Agora, tratando-se da esfera política, as falas de Donald Trump no cenário eleitoral, como “Ninguém tocará na cruz de Cristo sob a administração de Trump, eu juro” apenas reforçou a discussão em torno do nacionalismo cristão, com sua agenda política frequentemente vinculando à retórica religiosa.
Vale mencionar que a ideia da existência de uma perseguição religiosa contra cristãos nos Estados Unidos, como sugerida pelo candidato, é questionável. Embora tópicos sobre liberdade religiosa e a influência do cristianismo na sociedade americana estejam, de fato, em debate, a situação nos EUA está longe de ser comparada ao que ocorre em outras partes do mundo, conforme evidenciado pela
World Watch List.
Segundo a fonte de monitoramento da liberdade religiosa, um em cada cinco cristãos enfrenta perseguição e discriminação na África; na Ásia, é de dois em cada cinco; e na América Latina, é de um em cada dezesseis. Em momento algum a pesquisa apontou índices preocupantes nos Estados Unidos.
2. A intenção de voto cristã que diverge entre líderes religiosos
Acerca das preocupações e prioridades de evangélicos latinos durante o período eleitoral, o Pastor Báez diz que as leis do país deveriam se basear nos valores cristãos e que isso seria um “mundo ideal” para ele, por seguir sua maneira de pensar. “A fundação cristã integral ajuda o
desenvolvimento do ser humano”, disse.
Provando o seu ponto, o veículo de notícias
Noticias Telemundo participou de um serviço evangélico em Miami e trouxe a visão de três eleitores de Trump, comprovando o aumento de apoio ao nacionalismo cristão entre protestantes hispânicos:
1. Osmani Martinez, um cristão cubano, acredita que seria bom que “o estado e a igreja se tornassem um”;
2. Elizabeth Rodríguez, porto-riquenha, tem a sua escolha influenciada por pensar no bem-estar de sua comunidade e de sua família. Mesmo defendendo a democracia e liberdade, acredita que deveria existir um sistema que incluísse Deus;
3. Félix Cordova é um mexicano que espera participar das eleições após aprovação em exame de cidadania. Sua justificativa para votar em Trump é “porque ele fez a diferença, ele continua a fazer, ele é um homem que dobra o joelho e pede orientação ao Pai”, acreditando que o Partido Republicano preserva os valores cristãos em um mundo que está “fora de controle”.
Porém, ao contrário dos discursos elencados, o presidente do
Latin Christian National Network, Carlos Malavé, expressa preocupação com a falta de entendimento de muitos hispânicos acerca do nacionalismo cristão e como a conotação política dessa ideologia consegue doutrinar seus pensamentos. Para ele, os latinos incorporaram essa perspectiva sem perceber que ela é nociva à comunidade a qual pertencem.
Sendo integrante do grupo “Cristãos Contra o Nacionalismo Cristão”, ele denuncia a ideologia do nacionalismo cristão como uma deturpação das crenças cristãs e um perigo à democracia americana. Para Malavé, o racismo e patriarcado, correntes subjacentes desse viés, podem facilitar a marginalização de grupos vulneráveis ou minorias, incluindo os imigrantes. “Um trabalho magnífico foi feito por grupos extremistas para convencer até mesmo os próprios imigrantes de que os novos imigrantes são uma ameaça”, afirma.
Concluindo o seu ponto, ele pontua que o nacionalismo cristão pauta-se na supremacia branca e do cristianismo sobre outras religiões e identidades, além de carregar “pressupostos sobre nativismo, [...] autoritarismo, patriarcado e militarismo”. “Em suas mentes, apenas os cristãos são os
verdadeiros americanos”, complementa Samuel Perry, professor associado da Baylor University.
As desinformações e mentiras espalhadas — como a de um Estado que suprimirá o cristianismo a menos que os cristãos controlem o Estado — vem de grupos republicanos radicais, segundo Malavé.
3. Expectativas ambíguas dos eleitores latinos cristãos
Os latinos cristãos podem estar em uma encruzilhada tratando-se de ir às urnas, visto que o Partido Republicano, mesmo que defendendo os princípios religiosos, também promove políticas anti-imigrantes. De qualquer forma, Baéz prefere se concentrar nos
valores cristãos da comunidade do que se preocupar com as posições não favoráveis aos imigrantes.
A mesma posição é tomada pelo Pastor Rodríguez que, mesmo preocupado com a situação descrita, (“a retórica é nativista e racista e eu não nego isso”), está convencido de que, sem o cristianismo, só há
anarquia, caos e escuridão.
Ainda, para alguns políticos de extrema-direita, como Lauren Boebert, a congressista republicana do Colorado, a separação de estado e igreja “é lixo” e “a igreja deve liderar o governo, não o
governo deve liderar a igreja”, disse em julho de 2022. Já a representante republicana da Geórgia, Marjorie Taylor Greene, diz que “devemos ser
nacionalistas cristãos”, insistindo que a ideia não deve ser temida, uma vez que poderia solucionar os tiroteios em escolas e a
“imoralidade sexual” no país.
A ambiguidade dos latinos cristãos que optam por apoiar Trump, mesmo diante dessas contradições, resume a dificuldade das decisões políticas e dos compromissos ideológicos que enfrentam. É por conta disso que notamos a necessidade da comunidade latina tomar conhecimento sobre as implicações do nacionalismo cristão, sendo essa uma política que prejudica diretamente esse grupo de apoiadores, tal como afirma Malavé.