É de amplo conhecimento que, historicamente, Donald Trump — eleito presidente dos Estados Unidos pela segunda vez — apresenta atitudes e discursos extremistas em relação aos estrangeiros que migraram para o país. Na última disputa eleitoral não foi diferente e, no ano de 2025, Trump assume a regência da Casa Branca junto de um posicionamento que reforça a promessa de deportação em massa de imigrantes indocumentados – que contribuem, por estimativa, em 11 milhões de pessoas para a composição populacional estadunidense.
Executar uma ação como essa pode parecer ousado, mas o recém-eleito presidente não parece enxergar qualquer impeditivo, já tendo apontado sua intenção de tornar a fronteira “forte e poderosa” utilizando-se do exército e da declaração de estado de emergência nacional. Trump também não parece medir esforços no que se refere a investimentos dos tipos econômico e logístico em seu plano de realizar “o maior esforço de deportação da história do país”, como disse à NBC News em novembro do ano passado: "Não é uma questão de preço. Não é — realmente, não temos escolha.” (tradução livre). A fim de mensurar – em termos de finanças — a magnitude e a complexidade do plano de Trump, o grupo de defesa da causa imigrante, o American Immigration Council, estimou em US$ 968 bilhões o custo da deportação de 13 milhões de imigrantes nos Estados Unidos ao longo de pouco mais de uma década.
Ainda há muita incerteza sobre a aplicação eficaz das medidas esperadas numa escala sem precedentes, o que faz com que seja questionado, antes de partir para a análise dos atores possivelmente afetados, o que pensam os próprios estadunidenses. O apoio popular às promessas de campanha de Trump já era significativo desde o início do período eleitoral, mas o atual cenário não parece diferente: uma pesquisa aplicada aos cidadãos americanos pela YouGov ao final de novembro passado aponta que a maioria absoluta – especificamente 57% – dos entrevistados apoiam o plano de deportação em massa do novo governo, ao passo que 43% não concordam. Entre os republicanos a validação é ainda maior, sendo que 85 a cada 100 aprovam – segundo dados da Ipsos e Scripps News – e, apesar de o descontentamento com a imigração ilegal não ser novidade entre os apoiadores do Partido Republicano, nota-se que o atual apoio de seus eleitores a medidas de combate é o maior em pouco menos de três decadas:
Porém, essa força animadora não é estática e a opinião popular pode mudar à medida que as políticas forem observadas em prática. Ainda com base na pesquisa realizada da Ipsos, com destaque às condições impostas e possibilidades potencialmente enfrentadas durante a aplicação da deportação em massa, o espectro opinativo se torna tênue e o apoio dos americanos diminui consideravelmente, como ilustra o gráfico a seguir (tradução abaixo):
(considere, a partir de tradução livre, que, ao lado
esquerdo, seguindo a direção horizontal e o sentido de cima para baixo, as
frases de consulta referentes à pergunta “Até que ponto você apoia ou se opõe?”
são: 1. “a deportação em massa de imigrantes indocumentados” / 2. “a deportação
em massa de imigrantes indocumentados, mesmo que isso resulte em menos pessoas
pagando por seguro social e assistência médica” / 3. “a deportação em massa de
imigrantes indocumentados, mesmo que o mercado de trabalho seja impactado
negativamente” / 4. “a deportação em massa de imigrantes indocumentados, mesmo
que isso resulte em preços mais altos nos produtos” / 5. “a deportação em massa
de imigrantes indocumentados, mesmo que isso resulte em famílias sendo
separadas”).
Por trás do plano de deportação em massa
Não é impremeditável uma proposição ferrenha e que divide opiniões vinda de uma personalidade implacável como Donald Trump, especialmente quando se conhece sua retórica conservadora e reacionária, de tal modo que a decisão de aplicar a deportação em massa reflete uma combinação de estratégias e compromissos ideológicos que compõem sua identidade política, como é o caso de suas opiniões críticas frente ao imigrante nos Estados Unidos. Desde 2016, em suas promessas de campanha, o presidente intencionava tomar medidas rígidas frente aos imigrantes indocumentados – o qual o fez, por exemplo, por meio da construção (interrompida pelo governo posterior) do emblemático muro fronteiriço EUA-México. Ainda em seu primeiro mandato, Trump implementou práticas controversas, como separações familiares e operações de deportação; em 2024, seu objetivo se apresenta como a intensificação dessas medidas com menor flexibilidade.
O foco de Donald Trump na temática imigratória e na
aplicação rigorosa de leis aos indocumentados atraem eleitores preocupados com
a segurança das fronteiras e com os impactos econômicos e sociais da imigração
ilegal. Além disso, para energizar sua base de apoiadores e alcançar eleitores
que apresentem inclinações para o conservadorismo, o recém-eleito presidente
utiliza-se de retóricas como a de segurança nacional e a de “America First”
(“EUA em Primeiro” — tradução livre). Quanto à segurança nacional, Trump
constantemente associa a imigração ilegal a problemas de segurança pública —
como gangues, crimes, violência e tráfico de drogas —, com a justificativa de
que abrandar as políticas migratórias tornam o país vulnerável a ameaças
externas. Essas “ameaças” comporiam um espectro que vai desde o terrorismo, em
seus meios literais, até a suposta calamidade por trás do vínculo empregatício
de um imigrante – argumento que ajuda a justificar a defesa do lema “America
First”, em que é defendida a ideia de que a inserção de imigrantes no mercado
de trabalho do país geraria a ocupação de empregos originalmente “destinados” a
estadunidenses de nascença, promovendo competição e queda no valor dos
salários. São narrativas como essas que permitem o
fortalecimento do Partido Republicano e o consentimento populacional frente a
medidas, muitas vezes, extremadas.
Políticas de
deportação em massa e suas consequências gerais
Para o novo mandato de Donald Trump tem sido
estruturado um novo plano de deportação (em relação à sua regência anterior),
que visa, anualmente, mandar de volta aos seus países de origem mais de um
milhão de pessoas em situação ilegal – com foco especial às populações
latino-americanas, que somam a maioria dos imigrantes sem documentos. É quase
quatro vezes maior a quantidade de deportados em relação ao primeiro mandato.
Em 2017, quando eleito pela
primeira vez, Trump elaborou políticas anti-migratórias e expulsou milhares de
pessoas com permanência ilegal, tendo sido uma das medidas mais marcantes a
tentativa de encerrar o programa DACA (Ação Diferida para Chegadas na
Infância), que tinha como propósito a proteção dos "dreamers" (ou
seja, imigrantes que chegaram aos EUA ainda crianças). Dessa vez, para dar
continuidade às medidas anteriores, o personagem republicano tem planejado a
implementação de políticas ainda mais restritivas para controlar o fluxo
imigratório, além de ampliar as prioridades para deportação desde o primeiro
dia de governo. Nesse sentido, também passou a ser foco de discussão a retomada
da construção de muros — legais e físicos — em torno da fronteira com o México.
Para mais, o presidente afirmou que fará uso das Guarda
Nacional e demais instâncias militares para realizar a expulsão, além de
ter a intenção de aumentar os recursos da Imigração e Controle de Alfândegas
(ICE) a fim de concretizar seu objetivo de realizar a deportação em massa em
maior rapidez.
Mesmo que sua posse esteja marcada
para o dia 20 de janeiro de 2025, o recém-eleito para o cargo de presidência já
tomou atitudes estratégicas para a realização de sua nova regência; Thomas Homan, por exemplo,
foi nomeado como “czar da fronteira” e ficará à frente da operação, já
tendo atuado na área durante o primeiro mandato no Estado do Texas. Além disso, para o plano de
deportação do governo que há-de-ser, o deputado texano Dan Crenshaw afirmou que imigrantes criminosos serão prioridade na aplicação das novas políticas.
No que tange à ocorrência da
deportação em massa, existe uma série de
consequências – tanto para os imigrantes
quanto para o Estado – passíveis de análise: primeiramente, como é de se
esperar, os próximos quatro anos, apesar de ainda incertos, preveem uma queda
na qualidade de vida dos imigrantes em solo norte americano, caso os planos do
presidente. Entre eles, estão cerca de 200 mil
brasileiros, cujos nomes compõem a já estruturada lista priorizatória de deportação.
Além de promoverem um cenário
hostil em que imigrantes sejam forçados ao retorno aos seus países
de origem e destinados
a abrir mão de tudo que, até então, construíram, as políticas de deportação
acabam por afetar diretamente muitas famílias, em especial as do tipo latinas,
que são mistas (ou seja, compostas por indivíduos com diferentes status migratórios e de nascença). Num
caso como o de separação familiar por inflexibilidade nas medidas de
deportação, por exemplo, serão observados desmembramentos de comunidades e, de
modo específico, a separação de crianças cidadãs naturais dos EUA em relação
aos seus genitores ou responsáveis de status migratório, causando perda de
estabilidades, dentre outras, familiar, emocional e psicológica.
Ao considerar, por outro lado, a
logística por trás do plano idealizado por Trump, entende-se que a expansão de
deportações poderia sobrecarregar o sistema de tribunais de imigração (que
naturalmente apresenta limitações). Outro empecilho surge quando a questão do
suporte civil e organizacional às ações governamentais entra em pauta, visto
que muitas ONGs e ativistas pelos direitos humanos irão lutar contra a política
de deportação em massa. Para mais, com o intuito de alcançar o resultado
esperado, seria necessário arcar com um grande investimento em recursos,
podendo chegar a dezenas de bilhões de dólares ao englobar processos, transporte
e abrigo temporário. A repercussão midiática também imporia impasses a partir
de denúncias de expulsão e de separação de famílias, afetando diretamente as
relações entre as nações ao gerar tensões no cenário internacional.
Portanto, para esse próximo mês, espera-se novas declarações do presidente e de seus apoiadores. Jason Leverant, presidente de uma grande empresa de recrutamento americana, afirmou: “estamos jogando o jogo longo agora, a dor será sentida e veremos escassez, desacelerações e atrasos em todas as frentes”.
Isto posto, entende-se que as propostas de deportação em massa do novo governo de Donald Trump caracterizam um marco divisivo na política imigratória dos Estados Unidos, trazendo implicações significativas para indivíduos, comunidades e o próprio Estado. Embora o plano esteja fundamentado em promessas de campanha justificadas por meio de argumentos sobre segurança nacional e protecionismo econômico, sua implementação se apresenta como controversa frente a questões éticas, logísticas e humanitárias. Além disso, o impacto potencial em relação a comunidades familiares e à economia do país sugere desafios que vão além do discurso político, exigindo uma reflexão mais ampla sobre suas repercussões. Concomitantemente, as considerações da sociedade americana terão grande peso para a viabilidade e a aceitação dessas políticas, e, embora o apoio entre os eleitores republicanos seja considerável, as divisões na opinião pública e a oposição de ativistas podem moldar o debate e diminuir a intensidade das medidas extremistas ao longo do mandato. Assim, o desenrolar dessas ações irá não apenas testar os limites do segundo governo de Trump, mas também reafirmar a luta entre ideologias contrastantes sobre imigração e identidade nacional nos Estados Unidos, principalmente ao abordar o povo latino.