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Os 10 anos da DACA: uma geração no limbo

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 25/06/2022 21:14 | Análises
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O problema da imigração ilegal é bastante controverso nos Estados Unidos. Já tivemos a oportunidade de discutir este assunto aqui no Latino Observatory, como a seletividades das autoridades de imigração; a flexibilização de regras de ingresso na fronteira Sul; e a imigração do “Triângulo Norte”. Em essência, nossas análise ressaltam a dificuldade de o governo Biden em avançar na pauta da reforma das regras de imigração, na legalização de 11 milhões de indocumentados e ainda na ampliação dos direitos sociais das comunidades latino/hispânicas de forma geral nos Estados Unidos, tal como o seu governo havia proposto no abrangente programa Build Back Better

Esta semana este tema voltou a chamar a atenção da sociedade estadunidense. Em 15 de junho de 2022 se completou 10 anos do programa “Ação Diferida para Chegadas na Infância” (DACA), criado pelo ex-presidente Barack Obama, para proteger os filhos de imigrantes indocumentados que chegaram nos Estados Unidos até 2007. O DACA é uma portaria do governo federal dos Estados Unidos que concede aos filhos de imigrantes indocumentados o direito à educação, bem como impede a deportação e estipula um prazo de dois anos, que pode ser renovável, para obtenção de um documento de autorização de trabalho. Os beneficiários pela medida não poderiam ter praticados crimes ou contravenções graves que constassem em seus prontuários policiais. Esta medida não garante às pessoas o direito de obter a cidadania. Para tanto, seria necessário criar uma legislação específica para este fim. O programa entrou em operação no dia 15 de agosto de 2012. Estima-se que entre 600 e 800 mil pessoas tenham aderido ao DACA.

Uma legislação para os filhos de imigrantes indocumentados

Os debates sobre uma legislação que desse conta da regularização da condição legal das milhares de crianças e adolescentes, filhos de imigrantes, se arrasta no Congresso dos Estados Unidos desde 2001. Naquela época, os senadores dos Estados Unidos Dick Durbin (D-IL) e Orrin Hatch (R-UT) apresentaram pela primeira vez o projeto de lei no Senado como “S. 1291”, que tinha por objetivo conceder residência condicional temporária com direito ao trabalho a imigrantes indocumentados que entraram nos Estados Unidos como menores—e, se mais tarde satisfizessem outras qualificações, obteriam a residência permanente. Este projeto foi chamado de “Development, Relief, and Education for Alien Minors Act”, cujo acrônimo DREAM significa “sonho”. Um projeto similar foi apresentado na Câmera de Representantes pelo congressista Luis Gutiérrez (D-IL), porém ambas as iniciativas foram rejeitadas por falta de apoiodo Partido Republicano.

Inciativas similares foram apresentadas em 2007, durante o governo de George W. Bush, e 2009, durante o primeiro mandato de Barack Obama. Em 2010, a 111ª Legislatura da Câmara de Representantes, chegou a aprovar a iniciativa em 8 de dezembro de 2010, mas novamente o projeto foi vetado pelo Senado diante da dificuldade de obter o apoio dos republicanos. 

Diante da dificuldade de obter apoio no Congresso, o governo de Barack Obama editou a “ordem executiva” que criou a DACA, cuja essência trata dos problemas relacionados à migração de menores como havia tentado o DREAM Act. Por conta do acrônimo, os beneficiários do DACA ficaram conhecidos como “dreamers”. 

Apesar da ordem executiva ter possibilitado o atendimento a milhares de crianças e jovens imigrantes, fato que evitou a extradição e possibilitou que muitos deles tivessem acesso à educação, a situação desse segmento permaneceu precária, pois as autorizações deveriam ser renovadas a cada dois anos além do custo de aproximadamente US$500,00 para viabilizar o trâmite da solicitação. Em tese, a legislação da DACA daria a chance para que os beneficiários ascendessem à cidadania estadunidense, mas isso não ocorreu.

A situação dos “dreamers” piorou depois da posse de Donald Trump. Em 5 de setembro de 2017, Trump anunciou que não iria dar continuidade à iniciativa. De acordo com a NPR, Trump declarou: “Não sou a favor de punir crianças, a maioria das quais agora são adultas, pelas ações de seus pais. Mas também devemos reconhecer que somos uma nação de oportunidades porque somos uma nação de leis”. Na mesma reportagem, Barack Obama contestou a medida de seu sucessor: “Vamos ser claros: a ação tomada hoje não é exigida legalmente. É uma decisão política e uma questão moral. Quaisquer preocupações ou reclamações que os americanos possam ter sobre a imigração em geral, não deve ameaçar o futuro deste grupo de jovens que estão aqui sem culpa própria, que não representam ameaça, que não estão tirando nada de nós.”

Em tese, Donald Trump queria forçar o Congresso a tomar uma atitude com relação ao problema, mas novamente o Partido Republicano, contrário a qualquer flexibilização da lei imigratória, bloqueou a regularização dos “dreamers”, deixando-os num limbo legal até os dias de hoje, já que não se encontrou a solução para um problema que se arrasta há mais de 20 anos.

A vitória de Joe Biden trouxe esperanças de que a situação dos “dreamers” fosse finalmente regularizada. Numa de suas primeiras medidas, Biden restabeleceu os preceitos formulados pela legislação de Barack Obama. No entanto, após ser instado pelo governador do Texas e por outros governadores republicanos, o juiz federal Andrew Hanen decidiu, em 16 de julho de 2021, que a DACA foi “criada em violação da lei” e “implementado ilegalmente”. Na decisão, Hanen argumentou que o então presidente Barack Obama não tinha autoridade para criar a DACA, uma vez que contornava o Congresso. O juiz impediu que o governo aceitasse novas inscrições para o programa, efetivamente cancelando a ordem executiva de Biden. No entanto, a decisão permitiu que os imigrantes atualmente protegidos pelo programa mantivessem o seu status e permitiu as renovações DACA durante o processo de apelação.

Em 17 de julho de 2021, a Casa Branca reagiu à decisão de Hagen e instou mais uma vez o Congresso a legalizar a situação dos “dreamers”: “A decisão do Tribunal Federal de ontem é profundamente decepcionante. Embora a ordem do tribunal não afete os atuais beneficiários do DACA, essa decisão, no entanto, relega centenas de milhares de jovens imigrantes a um futuro incerto. O Departamento de Justiça pretende recorrer desta decisão para preservar e fortalecer o DACA. E, como o tribunal reconheceu, o Departamento de Segurança Interna planeja emitir uma regra proposta sobre o DACA em um futuro próximo. Mas só o Congresso pode garantir uma solução permanente ao conceder um caminho de cidadania para os Dreamers que dará a certeza e a estabilidade que esses jovens precisam e merecem. Pedi repetidamente ao Congresso que aprovasse o American Dream and Promise Act, e agora renovo esse apelo com a maior urgência. É minha fervorosa esperança que, por meio da reconciliação ou de outros meios, o Congresso finalmente forneça segurança a todos os Dreamers, que tem vivido muito tempo com medo.”

Uma geração no limbo

Enquanto a perspectiva para legalizar a situação desse segmento da população ainda está muito distante, dada a resistência dos republicanos em modificar a atual legislação sobre imigração, muitos jovens relatam a insegurança quanto ao futuro de suas vidas. Por conta da DACA, muitos beneficiários puderam alcançar a universidade e se profissionalizar. No entanto, eles não possuem garantia de que poderão trabalhar de forma legal porque não possuem o direito pleno à cidadania. 

O ex-presidente Barack Obama organizou uma reunião com um grupo de “dreamers” por ocasião do aniversário da DACA em 15 de junho de 2022. Da reunião, participaram os beneficiários do programa que cresceram nos Estados Unidos como imigrantes indocumentados – Tony Valdovinos (México), Jessica Astudillo (Médica, Equador), Devashish Basnet (Cientista Político, Nepal), Josue de Paz (CEO & Co-Founder of First Tech Fund, México) e Sumbul Siddiqui (Estudante de Medicina, Arábia Saudita). Ao reunir esses convidados, Obama quis chamar atenção para o potencial dessas pessoas para a sociedade dos Estados Unidos. No entanto, elas correm o risco de ter que deixar o país em função do limbo jurídico em que se encontram. 

De acordo com o site da fundação Obama, em sua conversa com os participantes da mesa redonda, “o presidente Obama os encorajou a continuar compartilhando suas histórias e sendo defensores em suas comunidades, referenciando a necessidade urgente de reformar o sistema de imigração e o trabalho que resta para fornecer uma solução mais permanente para todos os Dreamers. ‘Espero que todos vocês continuem a ser defensores em quaisquer que sejam suas vidas profissionais. Acho que será um longo caminho para nós – e, portanto, quanto mais vozes como as suas estiverem por aí, mais chances teremos de mudar as atitudes das pessoas. Parte da razão pela qual sentimos que é importante neste 10º aniversário destacá-lo é porque [o processo] não está concluído. Tendo visto as coisas notáveis que esse grupo de crianças do DACA fez com suas vidas, que patrimônio eles são para este país, espero que nos inspire a redobrar nossos esforços para resolver permanentemente seu status.’”

Diversos meios de comunicação repercutiram o aniversário de 10 anos da DACA, além das dificuldades enfrentadas não somente pelos beneficiários, mas também por aqueles jovens que sequer tiveram a oportunidade para se inscrever no programa.

O tema continua sendo uma ferida aberta na sociedade estadunidense. O grupo de apoio aos imigrantes indocumentados, o “Immigrants Rising”, defende uma ação mais efetiva dos políticos de ambos os partidos com vistas a encontrar uma solução para este enorme contingente de jovens: “A DACA deveria ser apenas uma solução temporária, mas agora comemoramos seu aniversário de 10 anos por causa da disfunção política bipartidária e do ódio anti-imigrantes no discurso político dos EUA. Repetidas vezes, o governo Trump tentou encerrar o programa, mas só falhou devido à sua incompetência. No futuro próximo, parece não haver um impulso viável para a mudança.”

De fato, dada a disfuncionalidade do sistema político dos Estados Unidos, a solução para os grandes problemas do país é bloqueada por um sistema de “vetos cruzados”, exceto para a política beligerante, pois nesse aspecto os republicanos e democratas sempre encontram um terreno comum para a elevação dos gastos militares. Mas as questões que envolvem o dia a dia da população, como a concentração de renda, a deficiência de infraestrutura, a baixa oferta de empregos com salários compensadores, ou ainda, a transição climática, ficam paralisadas nos corredores do Capitólio. 

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