Desde as eleições presidenciais de 2020, o tema da produção e distribuição de informações falsas dirigidas aos eleitores latinos ou hispânicos residentes nos Estados Unidos, tem se tornado cada vez mais fontes de preocupação de pesquisadores, militantes e legisladores estadunidenses. Como já
apontamos anteriormente, pesquisas apontam que público latino, em comparação a população geral nos Estados Unidos, demonstra uma tendência maior em consumir e compartilhar notícias e informações falsas online. Em parte, isso é explicado pelo fato de passar mais tempo em plataformas online como YouTube, WhatsApp, Instagram e Telegram. Outro fator preocupante da desinformação é a produção de informações falsas sobre Covid-19 e as vacinas.
Uma matéria do “
The New Yorker” apresentou algumas fontes de pesquisas que demonstram que as campanhas de desinformação sobre a pandemia também atingem de forma desigual a população latina nos Estados Unidos. Afinal, “as pessoas de língua espanhola na América são mais ingênuas do que o resto do país?”
Segundo pesquisa da Nielsen, os latinos têm 57% mais chances de buscar informações primárias sobre a pandemia de Coronavírus nas mídias sociais do que o restante da população.
Constatou-se que os latinos estavam entre o grupo de pessoas mais inseguras quanto à vacinação contra Covid-19, no final de 2020. A publicação informa que pesquisadores do First Draft, uma organização especializada em identificação e rastreamento de informações falsas, “monitoraram páginas e grupos do Facebook, postagens no Twitter e Instagram e discursos em espanhol em contas de mídia social, inclusive em plataformas de mensagens como o Telegram”, para descobrir, principalmente, os motivos da incerteza dessa população quanto às vacinas.
“O relatório do First Draft, lançado no início de dezembro do ano passado (2021), alerta que um histórico de discriminação e racismo médico, além da falta de acesso a cuidados de saúde, podem ter criado “uma base de dúvida e desconfiança que permite que a desinformação sobre as vacinas contra Covid-19 floresça nas redes sociais. Naquela época, porém, a lacuna nacional de hesitação em vacinas havia quase desaparecido, de acordo com uma pesquisa da Kaiser Family Foundation, com 58% dos brancos e 56% dos latinos tendo recebido pelo menos uma vacina. E, de acordo com uma pesquisa anterior da KFF, os latinos não vacinados não foram principalmente desencorajados por mentiras ou alarmismo sobre as vacinas, mas por preocupações de que se registrar para uma poderia levar a problemas de status de imigração, ou que possíveis efeitos colaterais da vacina poderiam causar dias perdidos de trabalho — e pagamento”.
A publicação menciona que a desinformação, de acordo com analistas, é o principal motivo de a população latina ser um grupo resistente a se vacinar.
“Em uma pesquisa nacional da Voto Latino publicada em abril de 2021, pouco mais da metade de todas as pessoas Latinx não vacinadas acreditavam que a vacina não era segura; esse número subiu para 67% entre aqueles que falavam principalmente espanhol (38% dos entrevistados declararam que foram vacinados; naquele momento, entre doze milhões e quinze milhões de latinos não foram vacinados em todo o país, segundo o estudo). Quase 80% de todos os entrevistados (vacinados e não) julgavam que a desinformação sobre Covid-19 era um problema sério ou um tanto sério”.
Outra organização, a Salud America!, concluiu meses depois que a desinformação é uma das principais razões pelas quais 60% da população latina permaneceu não vacinada na cidade de San Antonio, no Texas.
Ainda segundo a mesma matéria, a Univision, a maior rede de televisão de língua espanhola nos Estados Unidos, encontrou maneiras de ajudar os latinos a identificarem notícias falsas. “No ano passado, a rede lançou uma seção especial, Crónicas de la desinformación (Crônicas de Desinformação), para educar a comunidade latina sobre como a desinformação se espalha”.
Segundo o The New Yorker, “Jaime Longoria, que trabalha para a Disinfo Defense League, uma rede que combate a desinformação dirigida a pessoas negras, um dos autores do relatório First Draft, disse que as campanhas de desinformação também foram atribuídas a grupos como Médicos por la Verdad (Doctors for Truth) e Coalición Mundial Salud y Vida (Health and Life World Coalition) que promoveram o uso de hidroxicloroquina, dióxido de cloro ou outras substâncias como cura para a Covid- 19”. Conforme o relatório, a desinformação em espanhol sobre a vacina para Covid- 19 prospera nos feeds de mídia social, nas mensagens do WhatsApp e nos salões (virtuais) da igreja. Líderes religiosos, dizem os pesquisadores do First Draft, “desempenharam um papel fundamental’ na disseminação da desinformação sobre Covid-19. Este grupo inclui líderes cristãos na América Latina e Europa cujos vídeos e postagens são amplamente vistos em algumas comunidades latino-americanas [...]. Esses líderes promoveram tratamentos alternativos falsos e alegaram que as vacinas carregam microchips que são inseridos no corpo das pessoas, alterando o "DNA" dos receptores, feitas de fetos abortados ou são obra do Anticristo”.
Outras narrativas falsas dirigidas aos falantes de espanhol no país procuraram incutir a sensação de medo entre as famílias. O The New Yorker demonstra que foram encontradas postagens que alertavam que crianças positivas para Covid-19 seriam retiradas de seus pais, algo similar ao que aconteceu com a política de imigração de Trump, que acabou por separar milhares de crianças de seus pais ou mantenedores. Outra informação falsa seria a de que o governo estava tentando esterilizar toda a população latina do país por meio das vacinas.
Os pesquisadores alertam que não se deve tratar a comunidade latina e outras “minorias” como grupos à mercê de qualquer postagem nas mídias sociais, e que por isso, precisam de controle e intervenção “de fora”. Todos os elementos constitutivos de uma realidade desigual podem explicar essa vulnerabilidade maior às desinformações ou notícias falsas.
“O relatório First Draft observa, em suas recomendações, que, ‘para garantir uma troca de informações confiáveis’, as plataformas ‘devem enfrentar o desafio de equilibrar privacidade e interesse público, especialmente em comunidades que dependem de aplicativos de mensagens fechadas como principais meios de comunicação’, observa a publicação.
Outra abordagem também é sugerida conforme o relatório First Draft: “a proverbial mesa de jantar é uma área de investigação muitas vezes negligenciada, muitas das conversas mais impactantes ocorrem entre comunidades onde as relações interpessoais estão centradas”.
“A Univision é a rede de língua espanhola mais assistida durante o horário do noticiário noturno, e Tamoa Calzadilla diz que houve uma queda acentuada nas buscas no Google em espanhol por curas milagrosas desde que a estação transmitiu que essas curas eram falsas e perigosas. Maritza Félix, em seus cafecitos, convida os membros do grupo a escrever comentários ou perguntas no chat do WhatsApp e enviar mensagens de áudio: ‘Primeiro oferecemos informações confiáveis; só então, começamos um diálogo. Desenvolveu-se uma relação de confiança e as pessoas começaram a compartilhar conosco o que viam no WhatsApp, no TikTok e no YouTube. Começamos a convidar médicos, advogados de imigração e especialistas em questões de fronteira para discutir o que essas mensagens diziam, para explicar por que eram falsas’,” relatou Félix ao The New Yorker.
Conferir as informações e identificar notícias falsas são importantes a qualquer grupo de pessoas, principalmente porque tem suas vidas afetadas de modo muito contundente a depender do conteúdo divulgado. Em relação às narrativas falsas e aos preconceitos étnicos, “não é que os latinos que falam espanhol sejam os mais crédulos do país, mas estão entre os mais cautelosos”, observa a reportagem.