A questão do racismo é um tema recorrente quando se acompanha a conjuntura política e social dos Estados Unidos. Este Latino Observatory tem mostrado muitos casos de discriminação. Na edição de 24 de abril, mencionamos as atitudes discriminatórios contra a população de origem latina na fronteira do México em contraposição às facilidades de ingresso oferecidas para os refugiados da
Guerra da Ucrânia. Em 17 de abril, havíamos destacado a notícia de que os latinos reclamavam da falta de representatividade em um condado de
maioria afro-americana e, em 30 de abril, chamamos atenção ao fato de que os americanos brancos tendem a ver os americanos negros de forma mais amistosa, na medida que a imigração de latinos aumenta. Em contraste, aumenta o racismo contra a população latino/hispânica devido ao receio de uma
“invasão de imigrantes”.
Nesta edição, retomamos o assunto por conta de uma pesquisa divulgada pelo
Pew Research Center que aborda o racismo dentro da comunidade de latinos nos Estados Unidos. De acordo com a matéria, cerca de um quarto dos adultos latinos dizem que sofreram discriminação ou tratamento injusto de outros latinos. “A cor da pele está ligada à uma maior discriminação entre latinos: cerca de quatro em cada dez latinos com pele mais escura (41%) dizem ter sofrido discriminação ou tratamento injusto por outro latino, enquanto 25% com cor de pele mais clara dizem o mesmo. A origem nacional também influencia. Latinos nascidos em Porto Rico ou em outro país são mais propensos a sofrerem discriminação ou tratamento injusto de latinos do que aqueles latinos nascidos nos demais 50 estados dos EUA ou no Distrito de Columbia (32% vs. 23%). Ainda assim, os hispânicos têm a mesma probabilidade de dizer que sofreram discriminação ou tratamento injusto de alguém que não é hispânico. (...) Aqueles com pele mais escura eram mais propensos do que aqueles com pele mais clara a dizer que sofreram discriminação ou foram tratados injustamente por alguém que não é hispânico (42% vs. 29%).
Outra pesquisa do
Pew Research Center, divulgada em 18 de março de 2021, mostrou que a maioria da população estadunidense constata pelo menos alguma discriminação contra negros, hispânicos e asiáticos. De acordo com a pesquisa, “grande parte dos americanos diz que há pelo menos alguma discriminação contra vários grupos nos Estados Unidos, incluindo 80% que dizem que há muita ou alguma discriminação contra negros, 76% que dizem isso sobre hispânicos e 70% que veem discriminação contra os asiáticos. Quase metade dos americanos diz que os negros enfrentam 'muita' discriminação na sociedade hoje. Quase metade dos americanos (46%) diz que há “muita” discriminação contra os negros. Cerca de três em dez veem muita discriminação contra hispânicos (30%) e asiáticos (27%). Os americanos são muito menos propensos a dizer que há discriminação contra os brancos: 40% dizem que os brancos enfrentam pelo menos alguma discriminação e apenas 14% dizem que os brancos enfrentam muita discriminação.”
É importante ressaltar que o racismo e o preconceito são problemas que ocorrem no mundo inteiro. Isso pode ser constatado com a discriminação de naturais do Zimbabwe na África do Sul, com o tratamento desigual que os xiitas recebem nos países de maioria sunita da Península Arábica, com os naturais da Ilha de Okinawa nas demais províncias do Japão ou ainda em Myanmar com relação à minoria Rohingya. Este problema se acentua nos países do continente americano que conviveram com a conquista europeia e a escravidão africana que a acompanhou.
Nesse sentido, apesar de parecer insano, não há que se estranhar que um determinado grupo de latino seja discriminado por outro, pois o termo latino/hispânico designa muito mais uma origem geográfica (América Latina) e linguística (Castelhano) do que uma identidade bem definida. Assim, é maior a identificação entre um hondurenho ou um guatemalteco do que entre eles e um venezuelano, argentino ou cubano.
A população da América Latina é bastante diversa e sua composição foi moldada pelo colonialismo. É interessante constatar que nas populações das ilhas caribenhas o elemento indígena foi diluído, fosse pelo extermínio das populações originárias, fosse pela introdução do modelo de produção agrícola baseado na exploração de mão-de-obra de origem africana. Isso é distinto das regiões do continente em que havia uma grande densidade de populações originárias cuja mão-de-obra foi explorada nas diversas atividades econômicas organizadas pela Metrópole, como no México, no Peru, Bolívia ou Guatemala. Há ainda sociedades que foram fortemente influenciadas pela imigração europeia do final do século XIX, como a Argentina, Uruguai Chile e o Sul do Brasil.
Quando um grande contingente de latino-americanos migra para os Estados Unidos, ele traz as suas especificidades, de tal forma que cada um dos grandes grupos de migrantes acaba não se reconhecendo no outro, daí o estranhamento que ocorre entre os membros dessa população tão heterogênea, que se identifica como mexicano-americano, porto-riquenho, cubano-americano, salvadorenho-americano, etc.
Dentro dessa diversidade, chama atenção a nova pesquisa divulgada em 2 de maio pelo Pew Research Center, que trata especificamente das pessoas que se identificam como
“afro-latinas”. De acordo com o estudo, estima-se que seis milhões de indivíduos se identificam como “afro-latina” e que se veem de forma distinta dentro da ampla comunidade de 62 milhões de latinos nos Estados Unidos. Nesse sentido, para além das afiliações linguísticas e nacionais, as experiências de vida dos afro-latinos são moldadas por raça, tom de pele e cultura que os diferem de outros hispânicos. Nesse sentido, vale a pena pensar na influência de religiões de origem africana, como o candomblé ou a “santeria”, religiões de origem iorubá.
A reportagem da
Associated Press chama atenção sobre as dificuldades metodológicas encontrada pelos pesquisadores ao realizar o trabalho: “A pesquisa perguntou aos adultos se eles se identificam como afro-latinos separadamente de outras perguntas sobre raça ou etnia. Como resultado, o número também varia de fontes do US Census Bureau, que contam afro-latinos como qualquer pessoa que se identifique como hispânica e negra em uma questão racial de duas etapas. O censo de 2020 mostra que há 1,2 milhão de pessoas de todas as idades que se identificam como tal, muito abaixo dos 6 milhões estimados no último relatório do centro. “A coisa a considerar aqui é que a identidade afro-latina transcende a identidade racial e não pode ser capturada por uma pergunta do tipo caixa de seleção onde você marca sua etnia”, disse Ana Gonzalez-Barrera, que estuda latinos há cerca de 15 anos e trabalha com Pew Research Center de Pesquisa há cerca de 12 anos”.
Analisando este tema sob a perspectiva de uma ação coordenada da população de origem latina nos Estados Unidos, a construção de “sub-identidades” tende a golpear a sua capacidade política de influenciar os rumos da sociedade estadunidense. Tal segmentação pode ser útil para aquelas empresas que exploram nichos de mercado, já que podem oferecer produtos “customizados”. No entanto, do ponto de vista comunitário tais segmentações são muito ruins, pois isso tende a ressaltar diferenças pontuais que são menos significativas do que as enormes barreiras econômicas e sociais que colocam a maioria dos latinos dos Estados Unidos em posição bastante vulnerável, sejam eles de origem mexicana, dominicana, porto-riquenha, cubana, etc.