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Um ano de Latino Observatory

Marcos Cordeiro Pires / Thaís Caroline Lacerda | 16/10/2022 14:40 | Análises

Esta semana o projeto “Latino Observatory” completou um ano. Ao longo deste ano, procuramos abordar diversos aspectos da realidade dos Estados Unidos e seus impactos na população de origem hispânica/latina e buscar compreendê-los sob a perspectiva da academia brasileira. Outra contribuição que julgamos importante diz respeito à seleção de notícias sobre política, economia, cultura e sociedade, além de destacar em cada atualização semanal uma personalidade destacada da comunidade de latinos no país. Nesse sentindo, selecionamos políticos, variadas perspectivas ideológicas, cientistas, militares, artistas, escritores, jornalistas, esportistas, ativistas sociais que são referência para diversas pessoas, dentro e fora da comunidade latina.


Em nossas análises, buscamos refletir sobre os temas mais destacados da conjuntura dos Estados Unidos, privilegiando as temáticas transversais que impactam os latinos. Porém, antes de começarmos a nos dedicar aos temas conjunturais, a nossa primeira análise, publicada em 14 de outubro de 2021, tratou de descrever as características demográficas da população de latina nos Estados Unidos. Na ocasião, ressaltamos que este segmento populacional representa quase 20% da população estadunidense, alcançando mais de 62 milhões de pessoas. Chamamos atenção ao fato de que esta comunidade possui a maior taxa de crescimento no país, tanto pelas taxas de natalidade mais elevadas, quanto pelo ingresso de imigrantes, legais ou indocumentados, que continuam a chegar ao país. Conforme pudemos aprender, não se trata de uma população homogênea, em que pese a enorme presença de mexicanos e descendentes. Tampouco possuem uma identidade cultural comum que vá além do idioma castelhano (ou do português) e posturas políticas distintas, separando, por exemplo, a perspectiva política da maioria dos mexicanos e porto-riquenhos daquela abraçada por parcelas importantes de cubanos e venezuelanos. Outro traço cultural a ser destacado é a religião. O catolicismo romano ainda é a principal opção, mas há um forte crescimento das denominações protestantes e neopentecostais entre os latinos, conforme discutimos na análise de 13 de março de 2022 em que chamamos atenção sobre o aumento do conservadorismo entre esta população.


Em termos de representatividade, em que pese a importância da indústria americana de cinema no mundo e o crescimento da influência desta população nos mais variados segmentos do país, destacamos que os latinos representam 1 em cada 4 potenciais telespectadores estadunidenses de TV e filmes colaborando com 20% a 30% da receita do setor, dependendo da plataforma, e mais de 50% de seu crescimento. No entanto, os latinos representaram 5,2% dos protagonistas em filmes, 5,1% dos atores de elenco, 3,5% dos roteiristas e 2,6% dos diretores. Logo, conforme noticiamos em 31 de julho, não é surpresa que três em cada quatro latinos acreditem que sua cultura é frequentemente estereotipada na mídia em geral, reconhecendo que os latinos são frequentemente representados em papéis depreciativos como criminosos ou membros de gangues que falam inglês, mas com forte sotaque.


A questão da representatividade na mídia foi observada por grupos e organizações pelo seu potencial político. Noticiamos em 14 de junho e 13 de agosto que com um mercado-alvo potencial de mais de 500 milhões de falantes de espanhol no mundo, plataformas multimídias foram criadas com o investimento milionário desses grupos buscando alcançar tanto o público de latinos conservadores, como o “Americano Media”, quanto os latinos progressistas, como o “Latino Media Network”, dentre outras iniciativas que operam na especialização de difusão de notícias ao público latino. 


Essas questões não estão desconectadas dos temas como desigualdade étnica e preconceito, que permearam, em vários aspectos, nossas notícias. Em 26 de novembro de 2021, revelamos dados de uma importante pesquisa que demonstra o grande potencial de discriminação no país pela qual os latinos adultos vivenciam diariamente. O fator “cor da pele” evidencia a maior dificuldade dos latinos de progredir a uma vida material melhor, circunstância “amenizada” caso tenham uma cor de pele mais clara. Ademais, como evidenciamos em notícia publicada em 23 de janeiro, o impacto econômico da pandemia atingiu desproporcionalmente as famílias de imigrantes latinos, tendo esta população enfrentado muitas dificuldades para encontrar empregos não precários no país. Esta situação encontra outra variável ainda mais contundente: a exigência da permissão de residência. Já em relação à saúde durante o período pandêmico, a notícia mencionada também incluiu a falta de acesso adequado a cuidados médicos que era latente nesse período, com os latinos vivenciando uma situação econômica mais grave principalmente no meio rural, entre as famílias que não falam inglês, mulheres e pessoas sem status legal de imigração, e que não conseguiram solicitar auxílio econômico estatal por essas razões.


Um tema recorrente em nossas análises diz respeito ao funcionamento do sistema político dos Estados Unidos e o desenrolar os eventos políticos mais impactantes no período. Iniciamos esta discussão buscando compreender o processo de redistritamento que ocorre a cada 10 anos e o processo que conhecido como “gerrymandering”, que é a adoção de medidas oportunistas organizadas pelos partidos Democrata e Republicano para obter vantagens eleitorais ao desenhar os distritos nos estados de acordo com seus interesses. Nossa análise foi publicada em 20 de outubro de 2021, após divulgação censo demográfico de 2020, que deu base para o início do redistritamento. Nesse aspecto, comunidades latinas podem ser divididas em dois distritos para diluir o seu peso político de acordo com os interesses partidários. Vale destacar que diversos estados controlados pelos republicanos também adotaram medidas restritivas ao voto das minorias, como a limitação o voto pelo correio, a proibição de distribuição de água para os eleitores que aguardam em longas filas para votar, o corte de seções eleitorais em distritos majoritariamente habitados por não brancos, e, principalmente, pela criação de novos mapas eleitorais que diluem o peso demográfico das minorias.


Também acerca do quadro político dos Estados Unidos, em 15 de janeiro de 2022 nós fizemos uma análise sobre a radicalização da sociedade estadunidense tendo como mote o aniversário da invasão ao Capitólio de 06 de janeiro de 2021, quando grupos radicais trumpistas tentaram impedir a confirmação da eleição de Joe Biden. Verificamos que a polarização entre os dois principais partidos está levando o país à paralisia e a beira de um conflito muito perigoso, para o qual não há solução de curto prazo.


Recentemente, em 24 de setembro de 2022, fizemos uma análise sobre as projeções para as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, mostrando que as ações defensivas de cada partido limitaram as possibilidades de mudança significativa nos assentos de ambas as casas do Congresso. Das treze cadeiras na Câmara de Representantes que podem definir o controle da casa, pelo menos seis envolvem diretamente candidatos latinos.


Outro tema que mereceu atenção de nosso projeto foi a mudança climática e seus impactos sobre as comunidades latinas. Em 06 de fevereiro, nós discutimos como os eventos climáticos extremos estão prejudicando de forma desproporcional as comunidades latino/hispânicas em estados como a California, Texas, Arizona, Novo México e Flórida, seja por secas extremas, elevadas temperaturas, incêndios florestais, enchentes e furacões. A recente passagem do Furação Ian sobre a Flórida, onde provocou forte destruição e mortes, trouxe de volta a questão da mudança climática, em que pese a desconfiança sobre o tema entre os eleitores republicanos.


A imigração é outro tema recorrente entre os assuntos que mais impactam a comunidade de origem latina nos Estados Unidos e por isso foi a temática mais abordada pela análise do Latino Observatory. Discutimos o problema relacionado ao enorme fluxo de migrantes oriundos do Triângulo Norte da América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador), cujo número excede ao de mexicanos, tradicionalmente o principal grupo de imigrantes. Tratamos também sobres as dificuldades que o governo de Joe Biden tem enfrentado ao lidar com o tema da imigração, pois os republicanos no Senado têm obtido sucesso em refrear uma mudança mais profunda nas regras de concessão de refúgio e imigração.


Nesse aspecto, vale mencionar as tentativas de revogação de medidas restritivas emitidas pelo governo de Donald Trump, como a aplicação da lei conhecida como “Title 42”, que barrava os pedidos de imigração legal na fronteira com o México sob o argumento de conter a pandemia de Covid-19, ou a diretiva “Remain in Mexico”, que forçava os requerentes de asilo a aguardar no México o agendamento de uma entrevista com um juiz estadunidense. Outro ponto relacionado à imigração diz respeito ao limbo legal em que se encontram milhares de jovens filhos de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos. Não houve acordo bipartidário para a renovação da “Ação Diferida para Chegadas na Infância” (DACA), criada pelo ex-presidente Barack Obama, em 2012, para proteger os filhos de imigrantes que chegaram nos Estados Unidos até 2007. O programa já venceu, e milhares de pessoas ainda não obtiveram o direito à cidadania e, em tese, poderiam ser expulsas do país, mesmo sendo os Estados Unidos o único país que conheceram.


O nosso Latino Observatory ainda tratou de temas econômicos, como o surto inflacionário nos Estados Unidos, e seu impacto na vida das populações mais pobres, particularmente de latinos e afro-americanos. Em 13 de agosto, chamamos atenção na análise para os elevados índices inflacionários, os maiores desde a década de 1980. Alimentos, moradia e combustíveis impactaram de forma mais dura os segmentos mais pobres. As medidas do Federal Reserve para conter a inflação, notadamente o aumento das taxas básicas de juros, tornou mais difícil a vida dos mutuários, pois o preço das hipotecas imobiliárias subiu drasticamente. O custo de moradia, aluguel ou hipoteca, tem o maior peso no bolso das famílias. Por conta desse aspecto, a desaprovação de Joe Biden caiu a níveis muito baixos, bem como o prestígio do Partido Democrata, que corre o risco de perder o controle da Câmara e do Senado.


Este primeiro ano de atividades de Latino Observatory foi bastante proveitoso. As nossas análises foram replicadas no Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), veículo de difusão de notícias do Instituto de Estudos dos Estados Unidos. Por meio do nosso projeto, estudantes do curso de Relações Internacionais da Unesp, campus de Marília, participarão neste mês de uma “Collaborative Online International Learning (COIL)” com alunos da Universidade de Maryland, campus de Baltimore, coordenada pelo Prof. Dr. Felipe Filomeno. Ainda vale mencionar os trâmites para o estabelecimento de um acordo de cooperação entre a Unesp e o “Centro de Investigaciones sobre América del Norte” (CISAN), vinculado à Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), com o qual organizaremos intercâmbios de pesquisadores, de investigações e conteúdo.


Antes de concluir este balanço de um ano, é importante ressaltar o papel de nossa equipe. O suporte de TI do Alex Abatti, o designer Gabriel Reis e a tradução de Juliana Spadoto e Greiciele Ferreira.


Vamos juntos por mais muitos anos!

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