Mesmo com a pandemia, as eleições de 2020 obtiveram a maior participação eleitoral desde 1900, apesar dos ataques políticos e intimidações que ocorreram, em grande medida, por ações de uma nova onda conservadora que facilitou o reavivamento de grupos neofascistas no país. Os ataques ao Capitólio, em 06 de janeiro de 2021, ocorreram nesse contexto, em que Donald Trump e seus partidários exortaram uma massa de apoiadores para inviabilizar a nomeação de Joe Biden, alegando fraudes generalizadas no pleito. A “grande mentira” que “envenenou” a política estadunidense e que Biden costuma a relembrar em alguns discursos, diz respeito ao tom ameaçador de Donald Trump sobre fraudes eleitorais. Na
atualização anterior de nosso site fizemos menção a esse clima de radicalização.
Vale ressaltar que as eleições presidenciais recentes dos Estados Unidos têm se caracterizado pelo elevado nível de polarização e pelas pequenas margens que definem o candidato vencedor. Em 2016, apesar de receber menos votos populares, Donald Trump ganhou a eleição por somar mais votos no Colégio Eleitoral. Naquele ano, em estados “swing”, as vantagens em favor de Trump foram muitos estreitas, como de 44 mil, na Pensilvânia, 23 mil, em Wisconsin e 11 mil, em Michigan. Nas eleições de 2020, ocorreram resultados similares, mas desta vez em favor de Joe Biden: Geórgia, 12 mil, Wisconsin, 20 mil e Arizona, 11 mil. Um último dado a ser considerado pelas últimas eleições foi o aumento da participação popular, pois em 2016, 136 milhões de pessoas compareceram para votar, já em 2020 este número saltou para 158 milhões.
Nesse contexto, em que cada voto conta, literalmente, facilitar ou dificultar a inclusão de novos eleitores pode ser decisiva. Na Geórgia, por exemplo, ocorreu um grande esforço político para incluir eleitores de minorias, como afro-americanos e latinos, liderado pela democrata Stacey Adams, que fundou o Fair Fight Action 2020, uma organização de direitos civis que mobilizou esta parte do eleitorado no registro para votar. Estima-se que, por sua liderança, foram incorporados ao colégio eleitoral do estado da Geórgia cerca de 800 mil eleitores. Destaca-se que em 2016 Trump obteve 2,09 milhões de votos contra os 1,88 de Hillary Clinton. Em 2020, a votação de Trump subiu para 2,46, mas a de Joe Biden foi de 2,48 milhões.
A mobilização latinos e afro-americanos, segmento que tradicionalmente apoia o Partido Democrata, provocou uma avalanche de medidas por parte dos republicanos com vistas a dificultar o voto das minorias. Segundo o r
elatório do “Brennan Center for Justice”, um instituto americano para o direito e a política sem filiação partidária, cujos dados de pesquisa são referenciados constantemente por Joe Biden, “na esteira das eleições de 2020, uma onda sem precedentes de leis de votação restritivas e esforços de sabotagem eleitoral estão ocorrendo nos estados, com maior probabilidade de ocorrer este ano (2022). Também estamos no meio de outro ciclo de extrema manipulação partidária (gerrymandering). Esses e outros ataques à democracia muitas vezes têm como alvo principalmente as comunidades afrodescendentes”.
Ainda
segundo o Brennan Center, no ano de 2021, ao menos 19 estados aprovaram 34 leis restritivas de voto. Foram mais de 440 projetos de leis com disposições restritivas apresentadas nas seções legislativas em 49 estados americanos. Conforme o instituto, os números apresentados bateram o recorde não somente em quantidade de leis estaduais de voto promulgadas, como também pelas características muito mais restritivas em comparação histórica desde o ano de 2011, quando o instituto passou a mapear e analisar as legislações eleitorais. Mais de um terço de todas as leis de votação restritivas promulgadas desde então foram aprovadas no ano de 2021.
Em contrapartida, outros dados apresentados pelo mesmo instituto demonstram alguns recuos por parte do legislativo ao promulgar, ao menos, 62 leis estaduais com disposições expansivas em 25 estados. No entanto, os pesquisadores consideram que “essa legislação expansiva não equilibra a balança”, já que as leis restritivas de voto foram promulgadas em estados que já têm o histórico de limitações nesse sentido, assim como as leis expansivas de voto conseguiram campo em estados mais progressistas no tema. Segundo a mesma pesquisa, “em uma tendência emergente, leis restritivas em quatro estados – Geórgia, Iowa, Kansas e Texas – impõem penalidades criminais novas ou mais severas a funcionários eleitorais ou outros indivíduos. Essas novas leis criminais impedirão que os funcionários eleitorais e outros cidadãos que auxiliam os eleitores, se envolvam em tarefas comuns, legais e, muitas vezes, essenciais. As pessoas na Geórgia agora podem ser acusadas de crime por distribuir água ou lanches para eleitores que aguardam na fila das urnas. Em Iowa e Kansas, as pessoas podem enfrentar acusações criminais por devolver cédulas em nome de eleitores que precisam de assistência, como aqueles com alguma deficiência. E no Texas, os funcionários eleitorais podem enfrentar processos criminais se encorajarem os eleitores a solicitar cédulas por correio [...]”.
Há ainda uma série de novas propostas de leis com disposições restritivas de voto que devem ser apresentadas neste ano, quando há eleições de meio de mandato. As propostas variam desde o estabelecimento mais rígido de requisitos para o voto, como a redução dos votos por correio, dentre outros dispositivos. Um resumo das leis promulgadas por estado no ano de 2021, tanto com disposições restritivas, como com disposições expansivas, podem ser encontradas
aqui.
As principais medidas: propostas pela Freedom to Vote Act são: tornar o dia da eleição um feriado federal, estabelecer o registo eleitoral online, automático e no mesmo dia; estabelecer um mínimo de 15 dias de votação antecipada, inclusive durante pelo menos dois fins de semana, instituir a votação por correio com amplo acesso às urnas e rastreamento de cédulas on-line, além de entrega simplificada de correspondência eleitoral pelo Serviço Postal dos EUA; facilitar a identificação de eleitores; proibir a manipulação partidária ao exigir que os estados usem certos critérios ao desenhar novos distritos congressionais; exigir que os estados usem cédulas de papel verificáveis pelos eleitores e realizem auditorias pós-eleitorais; subsidiar a recursos para os estados para garantir a segurança cibernética e fortalecer os padrões de segurança cibernética para equipamentos de votação; vetar a demissão e remoção de funcionários eleitorais; aumentar a transparência no financiamento de campanhas; criar um programa de financiamento público para as eleições para a Câmara; estabelecer uma obrigação federal para que as campanhas denunciem a interferência estrangeira no processo eleitoral.
A John Lewis Voting Rights Advancement Act, por sua vez, pretende particular a Suprema Corte e os tribunais federais, buscando desfazer as decisões que derrubaram ou enfraqueceram os principais componentes da histórica Lei dos Direitos de Voto de 1965. Mais especificamente, ela cria uma fórmula para restaurar a exigência de pré-autorização federal, obrigando os estados com histórico de discriminação a buscar permissão do governo federal antes de promulgar novas regras de votação ou planos de redistritamento.
Por fim, a Electoral Count Act é uma atualização para o ato de contagem eleitoral de 1887, que determina como o Congresso conta votos eleitorais e fornecerá um caminho para o Congresso para resolver eleições contestadas, buscando acabar com as ambiguidades que levaram o ex-presidente Donald Trump e seus aliados para pressionar o ex-vice-presidente Mike Pence a derrubar a eleição de Joe Biden.
As propostas dos democratas foram alvos de duro ataque por parte de Donald Trump. Em
28 de fevereiro de 2021 ele afirmou que as leis eleitorais propostas pelo governo de Joe Biden iriam “registrar automaticamente todos os beneficiários da assistência social para votar”.
Tais iniciativas democratas contra as legislações restritivas de voto em todo o país foi inviabilizada pelos senadores republicanos, apesar da tentativa de alteração da “regra de obstrução”, derrotada no Senado na quarta-feira, dia 19 de janeiro, por 52 contra 48 votos. Anteriormente os democratas do Senado buscaram por quatro vezes levar o projeto de lei federal de voto, o Freedom Vote Act, ao plenário no ano passado e foram repetidamente impedidos pelos republicanos por aquela regra. É importante chamar atenção mais uma vez para o papel dos senadores democratas Joe Manchin (WV) e Kyrsten Sinema (AZ) no sentido de inviabilizar as reformas eleitorais propostas por seu próprio partido.
Frente ao fracasso em modificar as regras eleitorais, resta aos democratas aumentar a mobilização dos grupos sociais tradicionalmente vinculados ao partido, como a comunidade latino/hispânica e os eleitores afro-americanos, e também superar a elevada impopularidade de Joe Biden, cujo governo não conseguiu entregar os investimentos do projeto Build Back Better, a reforma da imigração e, tampouco, as mudanças na legislação com vistas a ampliar a participação democrático ano processo eleitoral. Além disso, terá que enfrentar os impactos negativos da crise inflacionária, a nova onda de Covid-19 e a desmoralização na retirada de tropas do Afeganistão.